| Wagner Williams Ávlis*
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Neste ponto do trabalho encerra-se a temática da habilidade do voo da personagem antes da Era Moderna dos Quadrinhos (1986 à atualidade). Depois dessa parte tudo referir-se-á à Mulher-Maravilha que estamos familiarizados. Num tipo de interstício, somos apresentados a assuntos paralelos, como a "wonderfever" da década de 1970, um equivalente à batmania da década anterior. É nessa época que a Mulher-Maravilha chega ao Brasil e o conquista, primeiramente entre o público masculino, em seguida o público feminino, consolidando-se como a super-heroína mais aclamada da pop art, tão (ou até mais) popular quanto Helena de Troia, Scheherazade, Julieta de Shakespeare, Madame Bovary, Miss Marple, Barbie. O voo de Diana passou a ser real a partir de então. Por fim, o artigo esclarece que na maxissérie-divisor de águas "Crise nas Infinitas Terras" atuaram juntas duas Mulheres-Maravilhas, a do passado, oriunda da Terra-2, e a do presente, a da Terra-1. A da Terra-2 era Hipólita, rainha de Themyscira e mãe de Diana Prince, a da Terra-1 era a própria Diana Prince. Ressalto o belo trabalho da autora em nos revelar um George Pérez mais pesquisador do que mero roteirista da personagem, e foi nesse tripé "pesquisa-roteiro-desenho" que o artista novaiorquino se firmou como um dos nomes da revolução modernista da nona arte.
✩ Wonderfever: uma Mulher-Maravilha Pop nas Mídias
A wonderfever – a “febre maravilhosa” –, devido à fama da Mulher-Maravilha nos EUA e no auge do feminismo global, trouxe o estrelato da Princesa Amazona que virou ícone da força feminista. Com ele, artefatos, acessórios oficiais, fantasias, bandeiras, símbolos, antologias, a franquia animada The Superfriends (1973-1983), de Hanna Barbera, e o seriado Wonder Woman (1976- 1979), com Lynda Carter (se bem que já se havia produzido outras séries anteriores – e mal sucedidas – à da série com Lynda Carter); com essas duas mídias viriam mais um montante de artigos industrializados (os famosos bonecos da Kenner Superpowers, discos, máscaras, utensílios de casa, roupas, álbuns de figurinha, etc.). Tanto The Superfriends como Wonder Woman aborda a Mulher-Maravilha entre a Era de Prata e a Era de Bronze, revitalizada, divinal, com o traje clássico mais aquelas habilidades descritas por Robert Kanigher e Denny O'Neil, só que sem a tal da vulnerabilidade ao patriarcado e sem o voo de Jack C. Harris; em seu lugar, o bom e velho jato invisível do criador William Moulton Marston. Entretanto, há diferenças entre as duas franquias. A diferença que nos interessa é que em Wonder Woman de Lynda Carter (nas duas temporadas) a Mulher-Maravilha não voa, não autoplana nem se desloca no ar, apenas hiperssalta (como concebeu William Moulton Marston na Era de Ouro). É por isso que nós, leitores modernos, ao assistirmos ao seriado, estranhamos quando vemos nele Diana Prince dando altos pulos, sem flutuar, mas descer ao chão e firmar as botas no solo. Basicamente foi esse o centro do debate proposto no post do dcnauta GILSON DOMINGOS. A gente acha toscos aqueles pulos, mas era assim mesmo que ela fazia nos idos de seu início de carreira nos quadrinhos. Já em The Superfriends de Hanna Barbera, a coisa desanda de vez! Parece até que seus produtores absorveram as tendências incoerentes das HQs da era dourada, isso porque eles, a cada episódio, ora fazem Diana voar no jato invisível, ora voar por si mesma... É uma confusão só! Confusão essa citada no mesmo post por WAGNER WILLIAMS. Mas é relevante notar que a animação The Superfriends já incorporava o voo da personagem logo após o ano em que ela, nas HQs, passou mesmo a voar (c.1972), enquanto a telessérie Wonder Woman optou por uma Mulher-Maravilha rigorosamente tradicional e antiga.
Alguns itens licenciados da "wonderfever" nos anos 1970. |
✩ Voo Durante "Crise nas Infinitas Terras"
Cena da morte de Diana Prince em "Crise nas Infinitas Terras", que deu fim à Era de Bronze dos Quadrinhos. |
Como mencionaram acertadamente JITAP PEREIRA, WAGNER WILLIAMS, GILSON DOMINGOS, a Princesa Amazona já voava durante os eventos de Crise nas Infinitas Terras (1985). Isso só foi possível graças a atitude inteligente de Marv Wolffman e George Pérez, que trouxeram à tona os poderes máximos de cada herói pra tentar conter a ameaça transdimensional do vilão Anti-Monitor. WAGNER WILLIAMS foi pertinente no comentário ao salientar que na maxissérie existiram 2 Wonder Woman’s que voavam: a da Terra-2, mãe de Fúria, e a da Terra-1, Diana Prince, irmã de Donna Troy. A da Terra-2 era a Mulher-Maravilha da Era de Ouro que não voava, desenhada mais velha, pintada de cabelos acinzentados e com chavões saudosistas que evocavam os deuses; adiante foi revelado ser ela Hipólita, a mãe de Diana Prince. A da Terra-1 é Diana Prince, prototipificada pra reformulação de George Pérez pra Era Moderna um ano antes, que já voava, desenhada mais jovem, pintada de cabelos pretos e sem os chavões gregos. Foi essa Wonder que morreu em Crise (na verdade, foi retroagida no tempo, até não mais existir), e foi a partir desse ponto-zero que a reformulação da heroína se deu. Mas o fato é que as duas Wonder’s em Crise voavam. A explicação pra isso é que a Wonder-2 (Hipólita) é a mesma Wonder de quem até agora eu tenho falado aqui, desde sua criação (1941) até antes da maxissérie, e que portanto já tinha passado a voar nos anos 1970. A Wonder-1 (Diana) é a Wonder pré-reformada de George Pérez, que, por bênção dos deuses, nasceu com o dom de voo.
IONA AKIYE SHIMIZU plausivelmente questionou, em algum lugar do post, se com o retcon da Hipólita como sendo a Mulher-Maravilha pré-Crise seria anulado tudo o que vimos e sabíamos da Wonder Woman Diana até a Era Moderna; ou seja, que os quadrinhos, os pôsteres, a publicidade, a wonderfever, os desenhos animados, o seriado, as bonecas, tudo aquilo referente à Mulher-Maravilha produzido antes de Crise nas Infinitas Terras não deveríamos considerar como sendo referentes à Diana Prince, mas à sua mãe Hipólita, já que, conforme as HQs, era Hipólita mesmo quem estava ali como Mulher-Maravilha. A resposta a essa questão é não!! Não devemos anular o conhecimento e a noção acumulados sobre Diana Prince como sendo a Mulher-Maravilha no pré-Crise em outras mídias. Diana é canonicamente a eterna Mulher-Maravilha! O que nos dá o alívio de não a anularmos historicamente é que a cronologia e a continuidade das HQs não se aplicam a outras mídias, porque cada mídia é autônoma, com licença de “desobedecer” aos cânones quadrinísticos e compor seu próprio cânone. Então, quando virmos Lynda Carter atuando como Wonder, não devemos dizer que ali é Hipólita, mas Diana; quando virmos a Wonder dos Superamigos, saibamos que ali é Diana Prince, e não a Rainha Hipólita como Mulher-Maravilha. A capa da revista Ms. que deu o "boom" pra revitalização da heroína não mostra Hipólita; mostra Diana. Toda a arte com a Wonder fora das HQs de época será sempre Diana, nunca Hipólita, pois, volto a afirmar: a cronologia e a continuidade das HQs não se aplicam obrigatoriamente a outras mídias.
✩ Era Moderna para a Mulher-Maravilha
Crise nas Infinitas Terras encerrou a Era de Bronze dos Quadrinhos. Watchmen, de Allan Moore, e O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, iniciavam a Era Moderna dos Quadrinhos, e essa Era, inevitavelmente, tinha de atingir o maior ícone feminino das HQs: a Mulher-Maravilha, agora de George Pérez, pra alguns o 2º William Moulton Marston na DC. Durante este período, a narrativa das histórias e a caracterização de personagens, tanto da Marvel quanto da DC, acabou se tornando algo mais complexo, elaborado, sombrio, opressivo, violento, primando mais pelo realismo e pelos tons escuros, colocando os super-seres no cotidiano das pessoas e na esteira da globalização. A reformulação das origens e narrações de heróis possibilitou preencher lacunas, remendar furos de continuidade, acabar com incoerências, inovar onde era “proibido”. George Pérez fez isso com a mitologia da Maravilhosa, recontando sua origem, sua personalidade, atuação e psicologia, incluindo aí, pra sempre, a habilidade de voo da Mulher-Maravilha que hoje conhecemos. Por isso, na minha brasileiríssima opinião, Pérez é melhor que Marston, e é o melhor roteirista que a Wonder já teve. Mas admito que George Pérez não foi o autor autêntico do poder de voo da amazona. O autor mesmo, como eu disse, foi Jack C. Harris nos anos 1970. Todavia, Pérez tem seu mérito reconhecido mundialmente pelo fato de, no afã de sua pesquisa na antologia de Diana Prince, dentre outras tantas coisas, ter verificado incoerências e oscilações relativas ao seu voo, mesmo anos depois de Harris ter estabelecido o voo (um exemplo concreto disso foi o citado crossover entre Mulher-Maravilha e Homem-Animal, onde Diana já voava, mas que o escritor Gerry Conway, nessa história, retrocedeu ao deslocamento suspenso). Pérez notou que, durante o período da novidade do voo da Wonder, oscilar entre o voo e o não voo dela era a coisa mais comum entre roteiristas dos anos 70-80, e que, penso eu, ajudou a confundir a cabeça de gerações em relação a isso. Ele viu que no UDC a questão do voo de Diana, no fundo, nunca ficou definida. Então, como mestre que é Pérez, pesquisando toda essa trajetória instável da personagem, corrigiu as incoerências e confusões, regularizando – e também inovando, criando – de vez as características da amazona (consultar Biblioteca DC Mulher-Maravilha: Deuses & Mortais, ed. Panini), anexos, págs. 177-178). Seu postulado irrevogável era: Diana Prince é uma semideusa criada e não gerada, abençoada pelos deuses, mulher guerreira de sangue, princesa de corpo, divina de alma. Ela portanto é sobre-humana, imortal, superforte e voa. A partir daí, ficou definido e estabelecido como norma editorial da DC Comics que a Mulher-Maravilha natural e invariavelmente voa por conta própria.
Não perca a parte 4...
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WAGNER WILLIAMS ÁVLIS – crítico literário da Academia Maceioense de Letras (reg. O.N.E. nº 243), professor de Língua Portuguesa, articulista, historiador do Homem-Morcego.