Blade Runner é um obra voltada muito para a interpretação, dizem que, uma vez tornada pública, a obra deixa de ser do artista. Não falo do filme em si, a questão aqui é interpretação. Cada um pode entender um livro, um filme ou um quadro de formas diferentes a despeito do que o criador tenha originalmente concebido. Uma das maiores questões na obra de 1982 é se Deckard é humano ou replicante, no romance de Philip K. Dick que inspirou Blade Runner, o Caçador de Androides, ele é humano. No entanto no filme de 1982 os artistas decidiram criar sua própria visão, assim se criou três representações distintas coexistirem na película. Harrison Ford, o ator que o interpreta, acredita que Deckard seja humano. Já o diretor Ridley Scott o considera, sem sombra de dúvida, um replicante. Por fim, Hampton Fancher, um dos responsáveis pela adaptação, afirma que a questão é propositalmente ambígua.
Blade Runner 2049 não tende a tomar partido ou criar mais dúvidas sobre isso. O momento único em que faz menção à polêmica é bastante vago. A volta de Fancher como roteirista deve ter contribuído para a realização, ele que teve Michael Green ao seu lado como roteirista. No entanto o mérito maior vai para o diretor Denis Villeneuve, que compreendeu que esse debate é como todo o enrendo de Blade Runner, existencialista. O diretor ainda traz um visual e trilha sonora semelhantes que tornaram essa obra cult ao longo dos anos. Villeneuve revisita todos esses aspectos, ao mesmo tempo em que expande os horizontes.
O que pode ser dito sobre a trama sem correr riscos de estragar as surpresas — elas existem e são bastante satisfatórias — é que, décadas após os acontecimentos do primeiro longa, o mundo é repleto de androides muito mais avançados do que os produzidos pela Corporação Tyrell. Esta, aliás, foi à falência, tendo seus espólios adquiridos pela empresa de Niander Wallace (Jared Leto), pai da nova geração de replicantes. Nesse cenário, os modelos antigos passam a ser considerados uma ameaça, sendo perseguidos por caçadores de recompensa afiliados à polícia — caso de K (Ryan Gosling), que, depois de "aposentar" uma dessas unidades ultrapassadas, se vê diante de um mistério com potencial de iniciar uma revolução.
A estética idealizada por Ridley Scott (atuando como produtor executivo), é elevada a outro patamar — e o que de cara chama a atenção, é a ambientação. Além de se ver uma Los Angeles ainda mais vertical e repleta de vielas iluminadas apenas por anúncios publicitários gigantescos, Blade Runner 2049 apresenta locais devastados, trazendo um contexto pós-guerra pouco explorado no filme de 1982 e mais próximo do futuro descrito por Philip K. Dick. A escuridão, que remetia aos filmes noir, ainda é bastante presente, aliado a isso, ela ganha a companhia de sequências em uma paleta carregada de sépia, reforçando a ideia de aridez e desolação. O mesmo pode ser dito da chuva constante, que, agora, é substituída em alguns momentos por neve e poeira.
A temática é onde está o maior trunfo do longa. Antes o tópico era a sobrevivência, agora debatemos a respeito do que nos torna humanos. Amor, memória, sacrifício, continuação da espécie, todos esses elementos são levantados ao longo do filme, que não fica apenas na relação homem/máquina. Isso é visto nas ligações entre K e Joi (Ana de Armas) e entre Wallace e Luv (Sylvia Hoeks).
Um dos principais elementos que marcaram o primeiro filme (e a mim também) é a música do Vangelis, que aqui ganha referências que no começo é discreta, mas quem conhece o compositor reconhece logo. Os temas compostos por Hans Zimmer e Benjamin Wallfisch buscam reproduzir a atmosfera da trilha sonora original. À medida em que a narrativa conduz K ao encontro de Deckard, a alusão se torna mais evidente, com o acréscimo de notas retrô aos arranjos.
Blade Runner 2049, veio para mostrar que, se arriscar em sequências ou reboots pode ser bem feito. Para isso acontecer precisa de um diretor com talento, que ame e entenda o material original e Villeneuve preencheu todos esses requisitos.
Nota do crítico: 8,5/10
Blade Runner 2049 chega hoje aos cinemas brasileiros. E você pode conferi-lo no Centerplex cinemas do Shopping Via Sul.



