Filmes de luta: clube do bolinha?




Para desfazer antigos e famosos clichês que dizem que nós mulheres só gostamos de filmes “água com açúcar” (aliás eu, como “adorável anarquista”, sou totalmente avessa a megaproduções comerciais melodramáticas hollywoodianas, tipo “Titanic”, ainda mais com trilha sonora cantada pela brega e chata Celine Dion), aqui vai uma dica de mulher sobre filmes de luta, mais especificamente de lutas de boxe.

Conheço pouquíssimas mulheres (eu, com certeza, não sou uma delas) que se aventurariam a assistir, ao vivo, a uma luta de boxe, com toda aquela profusão de suor e sangue num ringue; mas quando é o cinema que retrata uma dessas lutas, aí a coisa muda de figura.

O cinema é pura magia, e como disse, certa vez, o cineasta húngaro István Szabó (de “Mephisto” e “Sunshine, o despertar de um século”) o cinema é uma “arte única, porque capta, registra e transfere, para sempre, para a telona, a dor, a emoção e a alegria do ser humano, expressados pelos olhos, rosto e pela expressão corporal”.

Realmente só o cinema consegue transformar uma luta máscula, horrenda, de corpos suados e sangrentos, em um espetáculo impressionante e inesquecível, principalmente quando bem dirigido e produzido por quem entende de arte e poesia.

“Touro indomável”(“Raging bull”) mostra a carreira e a trajetória de vida do peso médio norte-americano Jack LaMotta (ainda vivo) na década de 50 – dirigido por Martin Scorcese e estrelado por Robert De Niro (que engordou mais de vinte quilos para viver o papel do verdadeiro pugilista), o filme retrata o auge e a decadência do ex-boxeador que se torna gorducho, insignificante e agressivo, dentro e fora do ringue.

A câmera de Scorcese consegue magistralmente transformar as cenas violentas dos ringues em “quase” poesia, ao mostrar os lances das lutas em câmera lenta, verdadeiras “alucinações” em preto e branco. Sim, apesar de ter sido gravado na década de 80 em plena era “tecnicolor”, o diretor ousou gravar em “palhetas de cinzas” e acertou em cheio, a fotografia em preto e branco é um primor e dá um ar ainda mais retrô num “flashback” nos levando diretamente aos anos 50.

Os socos brutais ora soam ensurdecedores, ora mudos (o diretor dispensa sonoplastia “em saltos” na tela) com a câmera extremamente lenta, disparando sangue e suor em preto e branco, em flashes que assustam e comovem ao mesmo tempo.




E por trás dos ringues, somos apresentados ao universo cruel das lutas, com as farsas e ganâncias que há por trás dessas lutas, e os dramas dos boxeadores que muitas vezes “descontam” suas frustrações e desilusões nessas lutas.

Jake LaMotta foi o único a vencer o campeão Sugar Ray Robinson, e a rivalidade que surgiu entre os dois pugilistas é retratada no filme, nas diversas lutas que travaram no ringue. La Motta só o derrotou uma vez e perdeu 5 vezes por pontos - a frase célebre do pugilista encrenqueiro desafiando seu adversário está no filme: “eu não caí, Ray, você nunca me derrubou”.

E a música da abertura (trecho da ópera italiana “Cavalleria Rusticana”) invade nossos ouvidos enquanto nossos olhos seguem os golpes em “slow motion” do boxeador no ringue solitário. Imperdível.





“Hurricane, o furacão” conta a verdadeira história do americano Rubin “Hurricane” Carter, que na década de 60, ainda um lutador no começo da carreira, foi preso injustamente por suspeita de um assassinato que não cometeu, ficando detido por mais de 20 anos (o que detonou sua carreira de pugilista) até conseguir provar sua inocência.

A música “Hurricane” escrita pelo Bob Dylan na época, numa tentativa de mobilizar a opinião pública está, obviamente, no filme. Denzel Washington interpreta o pugilista com garra e convicção, e o filme se desenrola na tentativa de provar a inocência dele, com a ajuda de fãs/amigos canadenses sensibilizados com o drama do “furacão”, que foi acusado por falsas testemunhas num processo discriminatório e racista, mas na verdade ele foi vítima do próprio sistema judicial americano numa época de rebeliões racistas disseminadas nos EUA.




“Rocky, um lutador” e suas continuações (para mim, vale a pena apenas o 1º, o 2º e o último, que levou o nome de “Rocky Balboa”, também tem o seu charme) foi um marco na época (anos 70), inaugurando com grande sucesso o universo das lutas na telona, com o personagem ficcional do Silvester Stallone que, pobre, vence vários obstáculos até chegar ao título de campeão mundial.

E a música-tema “Gonna fly now” virou símbolo de luta e perseverança, e até hoje muitos que visitam a Philadelphia dão uma “corridinha básica” na escadaria do Museu de Arte da cidade estadunidense, repetindo a famosa cena tantas vezes repetida no filme e nas suas inúmeras continuações.




E em “Menina de Ouro” o ator/diretor Clint Eastwood  se superou, abordou num mesmo filme temas polêmicos como eutanásia e uma mulher boxeadora em meio a comoventes  dramas familiares e existenciais e acabou levando o Oscar com todas as honras.





Filmes imperdíveis, todos eles. E a verdade é que nós, mulheres  “alfas” e modernas, gostamos de filmes com conteúdo e paixão, podem ser “melosos”, violentos, sensuais, dramas, suspenses, comédias, “whatever”, o que não dá para suportar é violência gratuita nem dramalhões “sem eira nem beira” (daqueles repletos de gente calhorda e falsa, ao estilo “novela das oito”). Pelo menos para mim, cinema tem que ser de qualidade, pouco importa o gênero. E não se fala mais nisso.

Postado por *Rosemery Nunes ("Adorável anarquista")

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