De volta à "cena do crime"




Voltar à cena do crime. No cinema, se assim o faz, o bandido acaba sempre se dando mal. Mas, na vida real, às vezes, nada melhor que voltar à “cena do crime” e reencontrar os velhos amigos “bandidos”...

Como eterna cinéfila, eu não pude deixar de associar esse famoso clichê da sétima arte com o recente retorno de (quase) toda a minha turma de medicina (que hoje está espalhada pelos quatro cantos do país) à nossa querida faculdade, em Campos dos Goytacazes (minha cidade natal).

Caminhar pelos corredores do famoso prédio da cidade norte fluminense que abriga a Faculdade de Medicina de Campos, com sua bela arquitetura eclética mesclando o passado com o presente (tal qual a nossa intenção)...

Percorrer as labirínticas escadas do Anatômico e dos Laboratórios (em meio às lembranças das dissecções dos cadáveres e as experiências com o bico de Bunsen, respectivamente)... Tantas recordações...



Recordações que me fizeram lembrar do belo “Cinema Paradiso” (meu “filme de cabeceira”) tal a emoção (que com certeza tomou conta também dos meus saudosos colegas) e, como no belo filme italiano vencedor do Oscar estrangeiro e lançado em março de 1988 (data inesquecível para mim, o mês do meu aniversário e ano do nascimento do meu primeiro filhote, hoje formado médico pela UFF), voltamos todos no tempo...

Sim, como é bom voltar no tempo... Assim como na nossa história registrada em “prosa e verso” na minha cidade do norte fluminense, também o pequeno vilarejo “Palazzo Adriano”, da cidade de Palermo, na Sicília (que foi o palco das gravações externas desse belo filme italiano) é destino eterno de recordações de cinéfilos, ao abrigar hoje um museu com toda a história do “Cinema Paradiso” (itinerário que fará parte da minha próxima incursão turística pela Itália).



Um verdadeiro túnel do tempo... Junto às lembranças, a algazarra que se formou em volta dos meus colegas da faculdade... E percebo que não perdemos a juventude, nem no olhar, nem nos gestos, nem nos eternos sonhos de adolescentes (agora transferidos para os nossos filhotes), apesar dos “meninos” agora estarem “algo” carecas e com os cabelos grisalhos, e nós, as “meninas”, continuamos eternamente esbeltas (não sei por que nós, mulheres, não temos esse problema de cabelos brancos, rsrsrsr).

E me pego quieta, pelos cantos, “filmando” todo o grupo (observadora como sempre fui, desde a minha adolescência), mas os amigos “bandidos” não me deixam em paz, e mais uma vez me emociono com a profusão de abraços meigos e saudosos, com as brincadeiras dos colegas mais gaiatos, as recordações dos professores mais marcantes clicados nas fotos nos diversos murais espalhados pelos corredores...

Olho em volta, e então fecho os olhos (como o protagonista no filme “Cinema Paradiso”, em meio às suas recordações, de volta à sua cidade natal) para que as lembranças das “cenas dos crimes” venham mais facilmente me povoar a mente...

E, ao abrir os olhos, me deparo emocionada com uma placa, em homenagem ao nosso querido colega Pedro Otávio, o sempre meigo Pedrinho, que deixou há algum tempo esse nosso mundo, mas com certeza naquela hora ele estava sobrevoando nossas cabeças, abraçando-nos e protegendo-nos espiritualmente, com suas eternas asas de anjo (que ele sempre foi), o que me fez lembrar do belo filme alemão “O céu sobre Berlim”.

Nos dois filmes, “O céu sobre Berlim” e em “Asas do desejo” (como ficou conhecido no Brasil a continuação do filme, do diretor Win Wenders),  anjos velam pelas almas dos mortais (ora em preto e branco, ora em cores, respectivamente), levando lampejos de esperança a uma Berlim gélida devastada pela guerra, cadenciados pela delicadeza dos versos do grande “poeta dos anjos” (o alemão Rainer M. Rilke) e embalados pela bela trilha sonora da banda irlandesa U2 (na versão melodramática americana “Cidade dos Anjos”, uma cirurgiã toma o lugar da trapezista do filme alemão).



Quando achei que as emoções tinham se esgotado, eis que surge nosso querido mestre Professor Dr Edino, convidado ilustre que nos honrou com uma interessante e divertida “aula da saudade”, na qual ele fez uso de onomatopeias para reproduzir os diferentes ruídos cardíacos em diversas doenças e, não coincidentemente, os sons do meu coração aumentaram (como no belo vídeo abaixo, em homenagem ao dia do médico) – tum ta, tum ta, tum ta – tal a minha emoção ao recordar a genialidade do catedrático professor, que continua do alto dos seus setenta e poucos anos honrando o seu cargo de mestre da medicina.

E eu como cardiologista que me tornei, sempre me lembro dos seus ensinamentos, principalmente quando ele sofreu um infarto do miocárdio na nossa época de estudantes, e nos mostrou de maneira interessante como é deveras diferente “ler sobre uma doença e sentir na própria pele a mesma” (insistindo na importância de se ouvir o que o paciente tem a dizer), e até hoje na UFF (onde passo meus conhecimentos aos estudantes dessa Universidade), eu sempre repito para os meus pupilos: “segundo um grande mestre meu, o paciente leu o livro sim, quem não leu ou não fez uma anamnese ou um exame detalhado foi o doutor”.



E as emoções continuaram inesgotáveis... “não tem preço” rever colegas de turma e profissão, até hoje ainda relembrados pelos apelidos “bizarros” da nossa “rebelde” adolescência em plena era militar – o Piranha, o Mau-Mau, o Bozó, o Precioso, o Cachaça, o Bareta, o Porquinho, o Machadinho, o Requeijão...

E outros com apelidos igualmente divertidos que não puderam comparecer, ou por contingência da nossa vida atribulada  (como o Piu-Piu, o Frajola, o Vovó, o Lelé, o Peninha, o Uberlândia, o Ribeirão) ou porque a vida os levou precocemente, como o nosso amado “Luizinho Surfista”, como também os queridos colegas “Marreco” e Marco de Maria (além do Pedrinho, já mencionado).

E, como não poderia deixar de ser, o Piranha nos proporcionou também boas lembranças no nosso famoso “puleiro” (uma espécie de sala de aula com largos degraus no lugar dos assentos) onde tínhamos aula de Anatomia no “cadáver modelo” (e, durante quatro anos, como monitora de anatomia, ensinei ali aos novos calouros) e onde ficávamos reclusos no dia da prova prática...

E um, dos tantos “delitos juvenis, foi relembrado: no primeiro ano de faculdade (ainda adolescentes gaiatos), sob a batuta do “bandido” Piranha, a cola da prova prática chegou camuflada dentro de uma coxinha de galinha (o famoso salgadinho), plano mirabolante arquitetado pela “Casa da Mara” (nome oficial da república do Piranha, que parece advir de uma famosa casa de prostituição)...

Mas se não me falha a memória, os professores descobriram a mutreta e mudaram as questões a tempo e, se bem me lembro, muitos nem perceberam a troca do gabarito, e no final nervo virou músculo, osso virou veia, e por aí vai... rsrsrs

E, ao término da nossa visitação aos inúmeros setores da nossa querida e inesquecível faculdade (onde passamos os melhores dias da nossa juventude), eis que no livro de presença para os convidados ilustres, “apareceu”  a assinatura “espiritual” do nosso querido colega Luizinho Surfista (membro emérito da Casa da Mara e parceiro eterno do Piranha, inclusive na hora de assinar presença quando da ausência do mesmo), confirmando que estávamos todos ali juntos, de corpo e (alguns) de alma.

Mas enfim a responsabilidade da profissão nos tornou mais sérios..., mas não menos brincalhões e, como sempre insisto, tem que ter sempre “a hora do recreio” na nossa profissão (até para suportar e superar os muitos sofrimentos que a vida médica nos proporciona, diante das doenças e da fatídica ceifadora).

E, para provar isso (a importância de descontrair e brincar no nosso dia a dia, em meio a tantas responsabilidades que assumimos na nossa profissão), o professor Edino (que, numa vitalidade ímpar, continua jogando bola na posição de goleiro) continuou a magistral aula com ensinamentos de marchas típicas de algumas doenças, argumentando que “Deus deve ter falado para o paciente” a seguinte frase: “você vai andar assim ou assado, quando tiver essa ou aquela doença”...

E assim, gaiato como todos nós, o professor termina a palestra com uma pequena anedota, contando que, certa vez, dois professores intrigados com o andar de um transeunte na rua resolvem abordá-lo, no intuito de checar quem tinha razão em relação à estranha marcha do dito cujo; ao que o transeunte responde: “não tenho doença alguma, é que eu achei que ia peidar e acabei cagando...” (uahuahuah, “esse professor é dos meus”, amei...).

Para relembrar, deixo acesso a outro texto meu (intitulado Rebobinando...) sobre outros crimes” dos meus colegas bandidos (link abaixo*), e termino, emotiva, esse novo texto para recordarmos (caso o alemão Alzheimer nos pegue de jeito) dos eternos amigos, com a bela música Canção da América, de Milton Nascimento, dos anos 80, que tanto sucesso fez na nossa juventude : amigo é coisa prá se guardar do lado esquerdo do peito, mesmo que o tempo e a distância...”.

http://rosemerynunescardoso.blogspot.com.br/2013/10/rebobinando-trinta-anos-atras.html




Postado por Rosemery Nunes ("Adorável anarquista")

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