Tenho tido contato com antigos amigos, todos médicos (da época da faculdade), e muitos deles (assim como eu) andam “flertando” com outras atividades e trilhando por outros universos que não a medicina, e um deles, em particular, tem-se revelado um exímio fotógrafo, registrando belas imagens do dia a dia, pinçadas nas pequenas coisas da vida, de maneira quase poética e... em preto e branco.
E, como “tudo na minha vida me leva ao mundo do cinema”, me lembrei de um sobrinho pré-adolescente que, certa vez, resistiu até o quanto pôde, quando eu insisti em “apresentá-lo” aos hilários “Marx Brothers”, famosos comediantes dos anos 30, que até hoje são imitados pelos grandes humoristas da atualidade. O comentário nada animador do “pentelho” foi: “filme dos anos 30, sem efeitos especiais e... em preto e branco, titia??!!”.
É difícil não se curvar ao talento desses irmãos comediantes (da “era de ouro” em preto e branco), inclusive o meu sobrinho acabou se rendendo (meus filhotes adoram) e acabou gostando tanto, mas tanto tanto, chegando ao ponto de me “pentelhar” querendo mais e mais cenas dos famosos irmãos.
Nova-iorquinos, filhos de imigrantes judeus, os “Marx Brothers” inicialmente eram cinco músicos que, nas noites do Brooklin, se apresentavam tocando (piano, violão e harpa) e cantando junto com a mãe, mas apenas três deles (Harpo, Chico e Groucho) ficaram conhecidos como comediantes.
A famosa “gag” dos espelhos, por exemplo, é impagável. Harpo e Chico se vestem como Groucho e o “imitam” num falso espelho (a cena hilária faz parte do filme “Duck Soup”, no Brasil intitulado “Diabo a quatro”). Tudo muito divertido, sem nenhum efeito especial mirabolante e ... em preto e branco.
E toda vez que eu comento, numa roda de amigos, sobre algum filme, no qual o mesmo tenha sido filmado (propositadamente ou não) em preto e branco, recebo uma enxurrada de “reclamações” que seguem sempre o mesmo padrão: “ah, não... em preto e branco??!!”.
E eu insisto: sim... em “paletas” de preto, branco e cinzas, e por que não?? Pois é... é muito comum esse tipo de comentário, num tom quase de lamento... “em preto e branco??!!”. E eu, cá com os meus botões: “Oh, God, perdoe, não sabem o que estão perdendo”. Porque, para mim, é uma perda irreparável não assistir a um bom filme, só (e até) porque ele é... em preto e branco.
Muitas destas películas inclusive foram propositadamente filmadas em preto e branco, ou porque ainda não havia nem mesmo o processamento “technicolor”, ou porque o enredo exigia tomadas em preto e branco, ou simplesmente porque o cineasta assim o quis, por puro deleite.
Alguns filmes pontuam suas cenas com fotografias ora em preto e branco, ora coloridas, porque muitas vezes tais efeitos o tornam mais verídicos podendo sugerir um “flashback”, como é o caso do ótimo “American History X” (no Brasil “A outra história americana”) ou têm a ver com o enredo, como é o caso, por exemplo, do poético “Pleasantville (no Brasil, “A vida em preto e branco”).
Deixo a lembrança dos inesquecíveis “anos dourados em preto e branco” do cinema, como os muitos estrelados por Rita Hayworth, Gene Kelly, Fred Astaire, Ingrid Bergman, Audrey Hepburn, Kirk Douglas, Charles Chaplin, Buster Keaton e outros.
Dos mais recentes temos, como exemplos, o francês “O artista”, vencedor do Oscar do ano passado, mesmo caso do atualíssimo polonês “Ida”, ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro deste ano, e do austríaco “A fita branca”, vencedor da Palma de Ouro em Cannes e do Globo de Ouro em 2010.
Famosos e ainda recentes tem o premiadíssimo “Touro indomável”, também o francês de animação “Persépolis”, também “Boa noite e boa sorte”, o francês “O ódio” (“La Haine”), “O milagre de Anne Sullivam”, “A lista de Schindler”, “O homem que não estava lá”, “Sin City”, “Ed Wood”, “Down by law” (no Brasil, “Daunbailó”) e por aí vai...
Sem esquecer dos célebres diretores europeus e seus magistrais filmes como o italiano Victorio de Sicca (com o singelo e sensível “Ladrões de Bicicleta”), o francês François Truffaut (com o venerado e auto-biográfico “Os incompreendidos”, título original “Les quatre cents coups”), o sueco Ingmar Bergman (com sua extensa filmografia questionadora e filosófica em preto e branco) e por aí vai... (em tempo: prometo dedicar um texto à parte a esses grandes mestres).
Isto sem contar o “hors-concour”, o filme “Cidadão kane”, primeiríssimo lugar na lista dos cem melhores filmes do cinema estadunidense pelo “American Film Institute” (merece também um texto à parte, prometo em breve).
Como não dá para falar de todos, vou me deter em alguns deles, os mais antigos e mais inusitados ou mesmo desconhecidos (pelas novas gerações).
“Touro indomável” (“Raging bull”), de 1980, mostra a carreira e a trajetória de vida do peso médio norte-americano Jack LaMotta (ainda vivo) na década de 50. O filme dirigido por Martin Scorsese e estrelado por Robert De Niro (que engordou mais de vinte quilos para viver o papel do verdadeiro pugilista) retrata o auge e a decadência do ex boxeador que se torna gorducho, insignificante e agressivo (dentro e fora do ringue).
“Touro indomável” (“Raging bull”), de 1980, mostra a carreira e a trajetória de vida do peso médio norte-americano Jack LaMotta (ainda vivo) na década de 50. O filme dirigido por Martin Scorsese e estrelado por Robert De Niro (que engordou mais de vinte quilos para viver o papel do verdadeiro pugilista) retrata o auge e a decadência do ex boxeador que se torna gorducho, insignificante e agressivo (dentro e fora do ringue).
O inusitado neste filme é a câmera de Scorsese que, de maneira magistral, consegue transformar as cenas violentas dos ringues em “quase” poesia, ao mostrar os lances das lutas em câmera lenta como verdadeiras “alucinações”... em preto e branco. A fotografia é um primor e dá um ar ainda mais retrô, num tom quase vintage (por conta das paletas de preto, branco e cinza) em um flashback que nos leva diretamente aos anos 50.
Mesmo para quem não curte filmes violentos e/ou lutas de boxe é impossível ficar alheio às cenas, tal a sensibilidade do cineasta que consegue transformar uma luta máscula, horrenda, de corpos suados e sangrentos, em um espetáculo “poético” impressionante.
Os socos brutais ora soam ensurdecedores, ora mudos (a sonoplastia é ocasionalmente dispensada, surgindo e sumindo, “em saltos” na tela) com a câmera extremamente lenta, disparando “sangue e suor em preto e branco”, em flashes que assustam e comovem ao mesmo tempo.
E por trás dos ringues, somos apresentados ao universo cruel das lutas, com as farsas e ganâncias que existem por trás desse esporte, e os dramas dos boxeadores que muitas vezes “descontam” as frustrações e desilusões de suas vidas nessas lutas. LaMotta foi o único a vencer o campeão Sugar Ray Robinson (perdeu 5 vezes mas apenas por pontos) e a célebre frase do pugilista encrenqueiro desafiando seu adversário está no filme: “eu não caí, Ray, você nunca me derrubou”.
E a música da abertura (trecho da ópera italiana “Cavalleria Rusticana”) invade nossos ouvidos enquanto nossos olhos seguem os golpes do boxeador no ar, em “slow motion” , no ringue solitário. O filme, merecidamente, está entre os primeiros vinte e cinco da lista do “American Film Institute”. Imperdível.
O filme “O milagre de Anne Sullivam” (“The miracle worker”) filmado em 1962, em preto e branco, conta a vida real de Helen Keller, a menina americana cega, surda (e consequentemente muda) que se torna uma grande escritora e ativista social graças à dedicação da professora Anne Sullivam, papel da atriz Anne Bancroft numa atuação impecável que lhe rendeu o Oscar de melhor atriz na época.
Com métodos nada ortodoxos para a época, a verdadeira professora Anne Sullivam também havia sido quase cega, recuperando parcialmente a visão depois de duas cirurgias, e ao se deparar com a menina cega e surda (que, não tendo como se comunicar, tornou-se violenta e selvagem, sob os mimos exagerados da família abastada que a tratava como um bichinho de estimação) consegue ensinar a menina a se comunicar, por meio da linguagem dos sinais, através do tato.
A atriz estreante pré-adolescente Patty Duke ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante no papel da menina “selvagem”. A história foi refilmada no ano 2000, em versão “technicolor” (com a própria atriz Patty Duke, agora no papel da professora Anne Sullivam), mas essa nova refilmagem colorida não chega “aos pés” da primeira versão cinematográfica em preto e branco de 1962 (mais um motivo para dar o devido valor a um bom filme, “quaisquer que sejam as cores das suas paletas”).
A menina cega e surda que se comporta como um animalzinho sem modos e sem limites, e que, rebelde e mimada, luta para manter seu “status quo” no seio familiar (que a aceita como uma garota sem chances de aprendizado) vai ser um grande desafio para a professora “domesticá-la” (sob os protestos da família, que desacredita na possível inteligência da menina). E a interpretação teatral e o embate corporal das duas atrizes é magnífico, simplesmente imperdível na versão (insisto)... em preto e branco.
Quanto aos irmãos Marx, tudo começou quando, durante os seus números musicais, “rolava” um pouco do potencial cômico da “trupe”, e o público aprovou, então eles resolveram incluir nas apresentações musicais alguma comédia incidental (eles seriam os precursores da comédia “stand up” de hoje), fizeram sucesso, foram para o teatro e chegaram finalmente ao cinema.
Nos filmes, em geral sob a forma de musicais ingênuos (onde exibiam também seus talentos vocais e instrumentais) faziam tipos bem marcados: Groucho com seu bigode e sobrancelhas vastos (“reforçados” na verdade por pintura extra) e o seu famoso “andar de pato”, em geral fazia papel de um impostor volúvel e galanteador incorrigível, sempre “agarrado” ao seu charuto; já o Chico sempre como o malandro simpático e seu falso sotaque italiano; e Harpo, o “mudinho” (na verdade não era mudo), sempre gaiato e um tanto quanto tarado.
Ficaram famosos nos anos 30 e permaneceram na mídia por mais de 30 anos, devido a brilhante inventividade desses irmãos, que eram fervorosos críticos humorísticos aos costumes e ao modo de vida dos americanos. Com um aguçado e bizarro senso de humor “azucrinavam”, literalmente “tocando o terror” satirizando a alta sociedade e a hipocrisia americana, mas tudo muito bem “camuflado” dentro de uma comédia musical que passava levemente pelo pastelão.
A famosa cena do falso espelho já foi imitada por vários comediantes da atualidade (inclusive a cena já foi montada em pleno metrô de Nova York com gêmeos idênticos).
E até os desenhos animados investem na brincadeira dos falsos espelhos (em “Family guy”, o menino do desenho animado de nome Stewie faz a encenação hilária com ninguém menos que... Adolf Hitler... kkk).
Com suas gags e situações cômicas se tornaram ídolos de grandes celebridades de outrora e da atualidade, tendo até hoje “seguidores fiéis”, tais como o recém-falecido Robin Willians, também Billie Cristal, Woody Allen, Jerry Seinfeld (inclusive o humorista já recriou a cena do “cômodo apinhado de gente” em um dos episódios de sua série “Seinfeld”, no canal Sony, onde adaptou a cena original (da cabine de um trem) para um cubículo de zelador de um prédio.
E até o Jô Soares já imitou a famosa “dança” das mãos ao piano, cena em que Chico e Harpo “arrasam” ao piano, brincando com as quatro mãos, inclusive tocando “mamãe eu quero”, da nossa famosa Carmem Miranda (que inclusive participou de alguns filmes deles).
Groucho era o mentor intelectual do grupo, se caracterizou pela irreverência e humor perspicaz. É dele a famosa frase (repetida por Woody Allen, no premiadíssimo e inusitado filme “Annie Hall, noivo neurótico, noiva nervosa”): “eu não frequento clubes que me aceitem como sócio”. E quando, por exemplo, uma fã o cumprimentou com o usual “prazer em conhecê-lo”, ele respondeu: “me conheço há anos e nunca tive nenhum prazer nisso”.
E, se hoje cansamos de ouvir “... se hay govierno, hay poder, hay ... soy contra” devemos ao talento deste comediante, pois é dele a máxima: “I don’t know what they have to say, it makes no difference, anyway, wathever it is, I’m against it”. Groucho, o eterno e irreverente “anarquista” (não é a toa que eu, como “adorável anarquista”, adoro este falecido comediante).
E, detalhe, sempre atual, há pouco tempo, o partido republicano conservador americano adaptou uma cena de um dos filmes do grupo (com o Groucho cantando “I’m against”) para se posicionar contra a reforma da saúde de Obama nos EUA.
A famosa cena do falso espelho já foi imitada por vários comediantes da atualidade (inclusive a cena já foi montada em pleno metrô de Nova York com gêmeos idênticos).
E até os desenhos animados investem na brincadeira dos falsos espelhos (em “Family guy”, o menino do desenho animado de nome Stewie faz a encenação hilária com ninguém menos que... Adolf Hitler... kkk).
Com suas gags e situações cômicas se tornaram ídolos de grandes celebridades de outrora e da atualidade, tendo até hoje “seguidores fiéis”, tais como o recém-falecido Robin Willians, também Billie Cristal, Woody Allen, Jerry Seinfeld (inclusive o humorista já recriou a cena do “cômodo apinhado de gente” em um dos episódios de sua série “Seinfeld”, no canal Sony, onde adaptou a cena original (da cabine de um trem) para um cubículo de zelador de um prédio.
E até o Jô Soares já imitou a famosa “dança” das mãos ao piano, cena em que Chico e Harpo “arrasam” ao piano, brincando com as quatro mãos, inclusive tocando “mamãe eu quero”, da nossa famosa Carmem Miranda (que inclusive participou de alguns filmes deles).
Groucho era o mentor intelectual do grupo, se caracterizou pela irreverência e humor perspicaz. É dele a famosa frase (repetida por Woody Allen, no premiadíssimo e inusitado filme “Annie Hall, noivo neurótico, noiva nervosa”): “eu não frequento clubes que me aceitem como sócio”. E quando, por exemplo, uma fã o cumprimentou com o usual “prazer em conhecê-lo”, ele respondeu: “me conheço há anos e nunca tive nenhum prazer nisso”.
Suas tiradas inesperadas recheiam os seus filmes, como numa das cenas em que Groucho pede ao garçom uma laranjada. O garçom diz que não tem. Groucho então pergunta se têm pato com laranja. O garçom responde que sim. Groucho fulmina: “Então esprema o pato e me traga a laranjada”.
No seu programa de TV perguntou a uma mulher o porquê de tantos filhos, ao que ela responde “adoro crianças e amo meu marido”, e ele imediatamente dispara: “eu também amo meu charuto, mas de vez em quando, eu o tiro da boca”. O que Groucho realmente tinha de único, era o talento para unir um gênero caótico de comédia à habilidade para demolir tudo o que cheirasse a autoridade (fosse ela qual fosse).
No seu programa de TV perguntou a uma mulher o porquê de tantos filhos, ao que ela responde “adoro crianças e amo meu marido”, e ele imediatamente dispara: “eu também amo meu charuto, mas de vez em quando, eu o tiro da boca”. O que Groucho realmente tinha de único, era o talento para unir um gênero caótico de comédia à habilidade para demolir tudo o que cheirasse a autoridade (fosse ela qual fosse).
E, se hoje cansamos de ouvir “... se hay govierno, hay poder, hay ... soy contra” devemos ao talento deste comediante, pois é dele a máxima: “I don’t know what they have to say, it makes no difference, anyway, wathever it is, I’m against it”. Groucho, o eterno e irreverente “anarquista” (não é a toa que eu, como “adorável anarquista”, adoro este falecido comediante).
E, detalhe, sempre atual, há pouco tempo, o partido republicano conservador americano adaptou uma cena de um dos filmes do grupo (com o Groucho cantando “I’m against”) para se posicionar contra a reforma da saúde de Obama nos EUA
E no filme “Todos dizem eu te amo”, Woody Allen fez uma bela e divertida homenagem aos musicais de outrora (com os atores Alan Alda, Julia Robert, Edward Norton tentando “desesperadamente” imitar, sem conseguirem, e por isso mesmo hilário, de Fred Astaire a Gene Kelly) e aproveita para homenagear os famosos irmãos, vestindo todo o elenco do filme, numa festa, como um deles (o Groucho Marx com o famoso bigode e sobrancelhas e termina com uma bela homenagem ao irmão Harpo, o “mudinho”).
E Allen intitula a sua película com o nome da famosa música “Everybody says I love you” (que faz parte da abertura e final do filme) que é de autoria dos irmãos Marx.
E Allen intitula a sua película com o nome da famosa música “Everybody says I love you” (que faz parte da abertura e final do filme) que é de autoria dos irmãos Marx.
Mesmo em preto e branco – e até por isso genial, pela originalidade, sem os efeitos especiais dos dias de hoje, apenas pura criatividade – eles continuam divertidíssimos e ingenuamente (mas nem tanto) irreverentes. E mais uma vez repito, eles eram impagáveis.
E deixo a bela melodia “Anos dourados” (na voz do músico chileno Pedro Foncea) do nosso mestre Tom Jobim, com belas fotografias do nosso músico na nossa cidade maravilhosa, tudo em preto e branco para deleite de todos (principalmente para o meu amigo, o “velho Paçoca”, que me inspirou esse texto) e, da próxima vez, pensem bem antes de desistirem diante de filmes em “paletas acinzentadas”, pois podem estar diante de pérolas imperdíveis em... preto e branco.
E deixo a bela melodia “Anos dourados” (na voz do músico chileno Pedro Foncea) do nosso mestre Tom Jobim, com belas fotografias do nosso músico na nossa cidade maravilhosa, tudo em preto e branco para deleite de todos (principalmente para o meu amigo, o “velho Paçoca”, que me inspirou esse texto) e, da próxima vez, pensem bem antes de desistirem diante de filmes em “paletas acinzentadas”, pois podem estar diante de pérolas imperdíveis em... preto e branco.
Postado por *Rosemery Nunes ("Adorável anarquista")
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