Fantasie sua vida: cinema, música e poesia





Já me disseram que sou sonhadora demais, no sentido de confiar demais nas pessoas e me iludir com elas. É bem verdade que, também já me disseram que eu vivo de ilusões”, mas dito ironicamente, em tom de deboche (por exemplo, quando o tema é a política e, nesses casos, só me resta gargalhar, uahuahuah, intolerância e despeito é f...). 

Talvez seja porque eu sempre vou atrás da utopia tentando alcançá-la e, segundo o escritor uruguaio Eduardo Galeano (um ferrenho defensor da cultura e do povo latino-americano), a utopia está sempre a dez passos à nossa frente, para que assim nunca deixemos de caminhar, sempre e em direção ao horizonte (na verdade, foram palavras do cineasta argentino Fernando Birri, considerado o pai do novo cinema latino-americano).




E perdi a conta de quantos disseram que eu vivo no mundo da fantasia... pode ser, mas se a realidade “lá fora” não tiver magia (a do cinema, pelo menos), a vida fica insuportável, e se a vida (e o cinema) é uma eterna fantasia, então quero morrer sonhando. 

Dizem que o amor é uma bobagem, uma fantasia, mas ninguém sobrevive sem ele. Eu, por exemplo, voltei a procurar uma sessão da tarde em minha vida (e enquanto não encontro, vou dispensando os enlatados que aparecem a toda hora, rsrsrs). E, falando em fantasias no cinema, aqui vão dicas “para sonhar” porque, segundo Mário Quintana, “uma vida não basta ser vivida, ela precisa ser sonhada”.

“A noiva cadáver” (Corpse Bride) – animação do famoso diretor Tim Burton, que mostra os dois possíveis mundos, o dos vivos e o dos “mortos”. Aqui o mundo dos vivos é mostrado como um lugar sombrio, frio e úmido, enquanto o mundo dos “mortos”, ao contrário, é lúdico, colorido, com muita música e alegria, numa alusão de que “passar desta para melhor” é melhor mesmo.

A grande mensagem deste filme é que deveríamos aceitar que talvez nada termine aqui, e quem sabe um novo começo nos espera lá na frente... e a noiva cadáver “se rende” e vai enfim ao encontro da “luz”. Uma graça esse filme e, de quebra, uma lição de espiritualidade.




“Edward mãos de tesoura” (“Edward Scissorhands”)  um verdadeiro conto de fadas, com Johnny Depp como uma criação de um inventor que, ao morrer de repente, deixa seu corpo incompleto com mãos de tesoura.

Depp impressiona com sua performance, seu rosto pálido, marcado tanto pelas cicatrizes (provocadas pelas suas desajeitadas mãos de tesoura) como pela frustração de não poder ser totalmente humano em sua plenitude de corpo e alma (pela “mão cortante” que não pode acariciar sua pretensa amada Winona Ryder). Uma fábula tocante e sensível sobre as limitações e frustrações do ser humano diante da vida e do mundo real.





“Feitiço do tempo” (Groundhog day) – a fantasia desse filme é a contínua repetição de um mesmo dia, na vida do personagem de Bill Murray, que não é explicada em nenhum momento do filme – na verdade, um motivo surreal é totalmente dispensável e tiraria talvez a graça do filme. 

Bill Murray vive um mal-humorado “homem do tempo” de um canal de TV que, um belo dia acorda para viver (e reviver) o mesmo dia entediante, numa cidadezinha pacata do interior; com o tempo ele começa a tirar proveito disso pois é o único que sabe o que vai acontecer naquele dia. 




O uso de gags repetidas tornam o filme uma comédia genial e inusitada. E a música "I got you babe" (que toca toda manhã na rádio e faz o personagem de Bill Murray acordar todos os dias na mesma fatídica hora) é da dupla Cher e Sonny, nos idos anos 60.




“O tigre e o dragão” dirigido por Ang Lee (diretor também dos ótimos dramas “Razão e sensibilidade” e o “Segredo de Brokeback Mountain”) e também “Herói” dirigido por Zhang Yimou (do também ótimo “O clã das adagas voadoras” e do maravilhoso drama  “Lanternas Vermelhas”) são filmes que retratam o universo das lutas marciais (na verdade, trata-se de um maravilhoso balé em forma de lutas).

A fantasia e as fotografias lindíssimas, em cores vibrantes,  fazem desses filmes, “em mandarim”, do cinema oriental, uma “viagem” pelo mundo da fantasia e, de quebra, pelo universo da força mental (esta tão cultivada pelo oriente e tão incompreendida pelo ocidente).





Nos dois filmes as lutas” são, em geral, calcadas mais no poder da mente do que na força física, com os atores literalmente flutuando sobre as águas e por entre as árvores em câmeras lentíssimas e cores impressionantes. Simplesmente imperdíveis. Pura fantasia em forma de arte.




“O Feitiço de Áquila” (Ladyhawke”)  apesar das cenas de espada serem “fraquinhas” e sem efeitos especiais (perdoável, o filme é antigo), a fotografia é lindíssima, e a proposta da fantasia é a envolvente estória do casal que não se encontra nunca, por conta de um feitiço.

O tal Áquila, um bispo da Idade Média, enfeitiça Michelle Pfeiffer (atriz de “Ligações perigosas” e “A época da inocência”) – mais linda do que nunca nesse filme – transformando-a em falcão durante o dia e o Rutger Hauer (o “charmosérrimo” ator foi um dos andróides que Harrisson Ford tinha que destruir na excelente ficção “Blade Runner, o caçador de andróides”) é transformado em lobo durante a noite.

E as imagens do falcão e do lobo num magnífico cenário repleto de neve são uma atração a parte, e o casal tem o ator Matthew Broderick (do também divertido “Curtindo a vida adoidado”) como o hilário Rato, um aliado que irá unir o casal no “sonho” (de dia e de noite) e na realidade. Lindo e divertido ao mesmo tempo.



“A vida em preto e branco” (com Tobey Maguire, o “Homem Aranha”) – o fictício seriado “Pleasantville” (título original) em preto e branco, dos anos 50  é o sonho de consumo americano, com suas famílias perfeitas, suas casas ajardinadas e seus rígidos valores morais. 

E num daqueles dias de conflito do personagem de Tobey Maguire com sua família desmembrada típica dos anos 90, ele recebe a estranha visita de um técnico de TV que lhe dá um peculiar controle remoto que irá transportá-lo (junto com sua irmã, a atriz Reese Witherspoon) para dentro da telinha, no cenário da fictícia cidadezinha.




E assim começa a fantasia, inicialmente em cores monocromáticas, que vão aos poucos se colorindo de vida (ao som de “At last”, na belíssima voz da diva do blues, Etta James, a “Miss Peaches”), a partir das emoções (prazerosas ou não) vividas pelos personagens da pacata cidadezinha fictícia.




Contando com efeitos especiais impressionantes e uma bela trilha sonora que incluem, além de Etta James, pioneiros do bom e velho rock and roll dos anos 60 como Buddy Holly (coma famosa Rave on”) e Gene Vincent (com a animada Be bop a lula”) e clássicos famosos dos eternos Beatles, como Across the Universe” (na bela voz da cantora americana Fiona Apple), o filme fica ainda mais encantador. Simplesmente imperdível.




Como não dá para falar de todas, deixo a lembrança de mais e mais “fantasias” imperdíveis: “A rosa púrpura do Cairo” (de Woody Allen); “Quero ser John Malkovich”; “A viagem de Chihiro”; “Uma cilada para Roger Rabbit”; “As bicicletas de Belleville”; “Nanny McPhee, a babá encantada”; O labirinto"(com o cantor David Bowie e a atriz Jennifer Connelly ainda bem menina); Alice no país das maravilhas”, de Tim Burton e por aí vai... afinal, cinema é pura fantasia.

E, abaixo, as belas e comoventes palavras do uruguaio Eduardo Galeno (falecido recentemente) que nunca desistiu de sonhar e caminhar passo a passo atrás da utopia, para si mesmo e para o mundo.




E assim vou vivendo (e sonhando), sempre atrás da utopia, e preenchendo a minha vida com cinema, (boa) música e poesia e, incansável, faço minhas as palavras do grande poeta português Fernando Pessoa: tenho em mim todos os sonhos do mundo” (somos do tamanho dos nossos sonhos”).

Postado por *Rosemery Nunes ("Adorável anarquista")

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