"Stand by me": Carta a um jovem ator (Milton Nascimento)






Existem filmes que, metaforicamente, podemos dizer que são "hereditários", ou seja, nos seguem desde a infância, avançam pela nossa adolescência e vida adulta, e nos marcam tanto, mas tanto, tanto, que invariavelmente passam de "pais para filhos". Um desses filmes é "Conta comigo" (título original "Stand by me").

O filme conta a história de um escritor, "de volta" à sua infância (papel de Richard Dreyfuss), relembrando seus amigos e suas brincadeiras de moleque, seus dramas infanto-juvenis e suas indeléveis experiências da adolescência. 

A história é baseada num romance, intitulado "O corpo", do famoso escritor Stephen King (também autor de outros famosos romances, recheados de suspenses, já imortalizados pelo cinema, como "Carrie, a estranha", "O iluminado", "À espera de um milagre" e "Um sonho de liberdade"). 

No filme, o escritor/narrador (numa quase semi-autobiografia do autor) começa rememorando a sua juventude, com a lembrança de um episódio que marcou a sua adolescência e a de seus jovens amigos.

O desaparecimento de um adolescente é o estopim para desencadear uma série de aventuras cheia de emoções, mistérios e medos na vida do então jovem narrador e seus amigos de infância, embalados por belas músicas do velho e bom "rock and roll", dos anos 50/60 (entre elas, "Great balls of fire" de Jerry Lee Lewis, "Everyday" de Buddy Holly, "Come go with me", dos Beach boys, "Rockin' Robin" de Bobby Day, além da famosa música-tema, que dá título ao filme, "Stand by me", de Ben E. King).



A partir desse episódio, quatro jovens se aventuram na busca do corpo do então adolescente possivelmente morto, e a "busca" se repercute muito mais na reflexão da vida de cada um desses meninos do que na morte do adolescente em si. A aventura acaba tornando-se, na verdade, uma jornada de auto-conhecimento e descobertas de si mesmos que os marcaria para sempre.



São apenas quatro adolescentes, mas você certamente vai se considerar o quinto adolescente da história, tal a sensação de envolvimento e de pertencer àquele grupo de meninos em busca de aventuras. 

E você vai reconhecer, nos meninos, as mesmas dúvidas da sua infância, mesmo aquelas mais inocentes, como quando eles discutem sobre os heróis e desenhos animados das revistas em quadrinhos (hilária a imaginação dos meninos que, sem dúvida, também era a nossa  Superman, a real guy ??!! kkk).

Porque, mesmo rodado nos anos 80 e retratando jovens dos anos 60, todos se reconhecerão naqueles meninos, pois, para qualquer um de nós, qualquer que seja a época, a adolescência é sempre igual, é o mesmo medo de crescer e de ter que enfrentar a chegada da vida adulta que a infância cisma em nos abandonar.



Um dos meninos é protagonizado pelo ator River Phoenix (um dos irmãos do ator Joaquim Phoenix, de "A vila" e "O gladiador"), que faz o papel de um menino rebelde e que, num dado momento, retira a "máscara" de pretensa rebeldia, revelando-se frágil diante da vida e de todos.

Um adendo: sempre insisto que o cinema é a mais completa das artes, nunca é efêmera, porque registra para sempre na telona (e na nossa memória) os sentimentos dos personagens e, como bem disse o cineasta húngaro Stván Szabó, "o cinema é a única de todas as artes que consegue captar para sempre em imagens eternas o rosto, os olhos e as expressões humanas... é como escrever com a câmera".

Assim, no filme, o ator River Phoenix deixou registrado, para sempre, a sua imagem no personagem do garoto frágil e sensível por trás de uma aparente rebeldia. O interessante é que esse filme não só ficou impregnado na minha memória, mas também na de muitos outros espectadores, cinéfilos ou não. 

Na década de 80, época em que o filme foi lançado, assim como eu e muitos outros, também o cantor Milton Nascimento, viu e reviu o filme tantas vezes quanto pôde, fascinado com a história e, principalmente, com o talento de River Phoenix e, impressionado, o nosso famoso compositor brasileiro acabou escrevendo uma linda canção em homenagem ao ator, intitulada "Carta a um jovem ator". 

Anos mais tarde, Milton decidiu gravá-la, mas queria colocar o nome de River Phoenix no título da música, e para isso ligou para o mesmo, mas sua família (sem consultar o ator) negou o pedido por "desconhecer o cantor brasileiro". No entanto, quando o River Phoenix soube, procurou o nosso músico (que na verdade já tinha uma carreira internacional de renome) e tornaram-se fãs/amigos um do outro (o ator inclusive veio ao Brasil conhecer Milton ao vivo). 

Revendo o filme (o que fiz várias vezes ainda jovem adolescente e depois já adulta, inclusive com os meus filhos), a sensação de estranhamento (com a fragilidade do personagem e o futuro do mesmo, tanto do ator como do personagem) é ainda maior – eu diria que o filme parece (quase) uma "premonição" (assistindo ao filme, ficará claro o porquê).

Isto porque o ator (que tinha em torno de 14 anos, na época do filme), morreu subitamente na  década de 90 (por volta dos vinte e poucos anos de idade), em condições estranhas, após "passar mal" numa boate (depois de participar de "Indiana Jones e a última cruzada", onde fez o papel do "Indiana jovem"), pois era tido como vegetariano e aparentemente não usava drogas (mas depois houve boatos de overdose de drogas ilícitas na boate, não sei se confirmadas). 

"Conta comigo" é um filme eterno e etéreo; qualquer geração, seja dos anos 60, 80 ou da geração do atualíssimo e globalizado século XXI, todos, sem exceção, se reconhecerão nesses meninos em busca de sua identidade, seus desejos, seus medos e seus sonhos de adolescentes. 

E a  famosa música, que dá nome ao filme ("Stand by me"), de autoria do cantor norte americano de nome Ben E. King, e lançada nos anos 60, foi depois imortalizada para sempre na voz de John Lennon. 



E, também há pouco tempo, a música-tema virou motivo de "zoação" entre "Timão e Pumba", personagens do famoso desenho animado da Disney. E, ainda hoje, persistem as mesmas "dúvidas", idênticas às dos garotos do filme (em relação aos desenhos de outrora e os da atualidade): afinal de contas, o "Timão" é uma doninha, um suricato ou um furão??!! (kkk)  no filme, a dúvida era o "Goofy" da Disney, vulgo "Pateta" no Brasil.



E, no fim, vamos concordar com o narrador/escritor (um adulto saudosista relembrando seus amigos do passado) quando ele diz "amigos entram e saem da vida da gente, sem nem a gente perceber", mas cada um deles, com certeza, deixa alguma marca indelével, para sempre, na história das nossas vidas. 

Em tempo: a lembrança deste filme antigo (que acabou gerando este texto), com seu título "sui generis" ("Conta comigo", no Brasil), tem a ver com a minha atual fase de boas recordações, revendo "velhos" amigos de faculdade (como no filme, infelizmente, alguns já "se foram" para sempre), com seus apelidos engraçados (alguns saídos de desenhos animados, que me fizeram lembrar do filme), a ponto de não conseguir, às vezes, me lembrar dos seus verdadeiros nomes: Piu-piu e Frajola, Vovó e Precioso, Mau-Mau e Porquinho, Lelé, Requeijão, Bozó, Cachaça, Surfista, Peninha, Piranha, e por aí vai...

Não deixe de assistir, e aproveite e "transmita hereditariamente" para os seus. Vale a pena. As gerações agradecerão o presente. E fecho esse texto saudosista com a bela letra e o vídeo, da também linda melodia, do Milton Nascimento:

"Se um dia a gente se encontrar/
E eu confessar que vi um filme tantas vezes/Prá desvendar os olhos teus
E se a gente se falar/Contar as coisas que viveu/

O que esperamos do amanhã/Será que pode acontecer?

Pois, paralelo ao personagem/Eu quis saber mesmo é de ti/
Queria que fosses feliz/uma água calma a inundar
A sua margem de carinho/um peito aberto a quem chegar/

Como o teu nome diferente/uma paisagem nos induz
Uma paisagem de inocência/mas que se sabe e que conduz/

Conduz agora este momento/O pensamento e os olhos meus/

Brilhando de emoção e grato/
Alguém que só te conheceu/Num filme que viu tantas vezes/
Que este poema aconteceu"



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