"Os elefantes nunca esquecem" (nunca brinque com os sentimentos alheios)




Tudo que vivenciamos fica impregnado no nosso íntimo, e se reflete sob a forma de lembranças. Os nossos cinco sentidos evocam emoções, e as guardam na nossa memória, ora sob a forma de boas lembranças, ora sob a forma de amargas recordações.

Sons, cheiros, imagens, às vezes lembranças de um toque suave. Boas recordações como doces cheiros da infância, sons saudosos da adolescência, registros visuais em imagens eternizadas em fotografias... (“A gente não se cansa de ser criança...você é assim um sonho para mim”- Os Tribalistas em Velha infância).



Ou então o contrário, amargas lembranças como o gosto de fel de um amor bandido,  um gosto amargo de uma desilusão, uma decepcionante paixão não merecedora (“Será que eu sei que você é mesmo tudo aquilo que me faltava?” - Nando Reis em Por onde andei”).



Certos filmes, certas músicas, certos livros, certos versos e certos contos, aos quais eu me apego e que me tocam minha alma e o meu coração, certamente têm um pouco de mim em cada um deles, decerto têm um pouco do meu íntimo, um pouco dos meus anseios e desejos pela vida afora.

Já experiências traumáticas nos levam a nos afastarmos de recordações que agucem os nossos cinco sentidos. Como quando certa vez em que “um certo alguém” entrou na minha vida e estava se tornando relevante no meu dia a dia, assim, gravei a trilha sonora de um filme (que eu amava “de paixão”) e a dei de presente, como quem se entrega de corpo e alma... (Lulu Santos que o diga).



Sim, no meu íntimo, eu estava emocionalmente me entregando de corpo e alma a esse certo alguém... mas, para minha decepção, a minha expectativa em torno desse alguém foi frustrante (descobri a tempo que eu não passava de mais uma na sua ampla lista de conquistas furtivas e muito bem camufladas), ou seja, essa “persona” não merecia tais canções e literalmente não me merecia (“Ouvi você dizer que eu era tudo que você sempre quis... e acabei acreditando em ilusões... nem pensava em ter que esquecer você - Marisa Monte e Ed Motta em Ainda lembro).




Não sou de “ir atrás de zodíaco”, mas já li que uma das características da pisciana (o meu signo) é “a sensibilidade e a doação nas amizades e perante a vida”,  e que o principal defeito é a “tendência a fuga quando sofre” e que “jamais deve-se ousar magoar ou pisar nos sonhos de uma mulher pisciana, pois ela jamais perdoará”...

Realmente não aceito fácil ser traída, ou melhor, eu simplesmente não aceito ser traída em hipótese nenhuma (seja em relacionamentos afetivos com um parceiro, seja em relações de amizade, de trabalho, de negócio, ou qualquer outro tipo de relacionamento interpessoal), assim dificilmente eu consigo perdoar alguém que me magoe e me machuque emocionalmente.

Talvez porque, para perdoar verdadeiramente, é preciso esquecer o que nos magoou, e eu sou o protótipo do dito popular que diz que “as mulheres são como os elefantes, nunca esquecem jamais uma ofensa”; e eu dificilmente consigo esquecer uma mágoa, fica chafurdada no fundo da minh’alma, remoendo e me corroendo, e então prefiro me afastar da pessoa para não mais sofrer, e assim adotei como meu lema a frase do poeta Mário Quintana: “A indiferença é a maneira mais polida de se desprezar alguém” (e isso fica fácil quando não mais se admira o tal certo alguém e se descobre que não é só você que o considera desprezível).

Nas poucas vezes em que eu perdoei um desafeto, o mesmo teve que provar-me que eu poderia voltar a confiar nele, e isso só aconteceu por extrema insistência do mesmo, pois a minha tendência é não dar uma nova chance, pois ingênua que sou, com medo de me ferir novamente, prefiro “a fuga” a uma falsa ou duvidosa reconciliação.



O filme em questão e a sua envolvente trilha sonora ficaram, por muito tempo, chafurdadas no fundo da minha estante, eu não conseguia rever o filme nem ouvir as suas belas músicas, um misto de repulsa e raiva tomavam conta de mim – amargas recordações – mas “nada como o tempo para curar as feridas”, e voltei a ouvir a trilha sonora desse tocante filme, quando me senti emocionalmente liberta da tal “persona non grata”.

“Hora de voltar” (“Garden State”) mistura drama com pitadas de um humor sutil, perspicaz e irreverente ao contar a história de um rapaz depressivo (que se reveza na carreira de ator e garçom em Los Angeles), marcado por um trauma familiar na infância e que, por causa do falecimento de sua mãe, se vê obrigado a voltar à sua cidade natal, Nova Jersey (daí o título original do filme “Garden State”, apelido da tal cidade) e ao seu passado deixado a força para trás.

O filme foi escrito, dirigido e estrelado pelo ator Zach Braff (também protagonista do seriado americano “Scrubs”) que interpreta o rapaz “deprê”, dopado com antidepressivos, totalmente alheio a tudo e a todos – as cenas do seu corpo “tatuado” pelos amigos após uma festa regada a álcool e ecstasy e a da camisa confeccionada por sua tia são hilárias – e também conta com a atriz Natalie Portman (dos também ótimos “Closer”, “O profissional” e “V de vingança”) que está bem à vontade no papel de “maluquinha” e epiléptica.

“Hora de voltar” é um filme singelo que dá vontade de entrar no “papo cabeça” dos seus personagens, noite adentro, por horas e horas a fio. E a trilha sonora do filme é uma atração à parte – tem a famosa banda Coldplay, com a música “Don't panic”, além de Colin Hay e ótimas bandas (desconhecidas do grande público) como The Shins, Remy Zero, Nick Drake, Zero 7...




São músicas envolventes, muito bem escolhidas, que compõem e marcam magistralmente as cenas: numa delas a “maluquinha” apresenta, ao rapaz deprê, o som do grupo “The Shins”, com a música “New slang”, enquanto ele tenta se livrar de um cão guia numa divertida cena, e no “velório” do seu hamster, ouve-se ao fundo Colin Hay com a bela sonoridade de “I just don't think I'll ever get over you”.



E a cena, transcendental e antológica, do personagem “guardião do abismo infinito” quando este diz, para o rapaz depressivo, “good luck exploring the infinite abysm” (numa alusão ao abismo da sua própria mente), que faz com que o personagem angustiado, ao ouvir isso, “liberte-se” com um grito no abismo, ressonando em eco, junto com os amigos, ao som de Simon and Garfunkel, com a bela “The only living boy in New York” (e eu também assim me senti num abismo, diante da frieza emocional da tal “persona” que, insensível, continua deploravelmente até hoje brincando com os sentimentos alheios).



Mas o filme ensina que vamos todos aprender a superar esses massacres que a vida nos prega, numa das mais tocantes cenas do filme, em que o rapaz deprê (que nunca conseguia chorar) se surpreende com uma furtiva lágrima, e a personagem de Natalie Portman conclui: “this is the life, sometimes hurts so much, but that is life, it's real”. Não deixe de assistir, e liberte-se como eu me libertei.



E, como sempre, para relaxar, deixo a divertida sessão de horóscopo com os hilários apresentadores (quem disse que os homens não curtem zodíaco?) do programa Pretinho Básico de uma rádio do sul (uahuahuah).



Postado por *Rosemery Nunes ("Adorável anarquista")

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