"Frátria" amada Terra, o nosso frágil e "pálido ponto azul"





“Não tenho pátria, tenho mátria, e quero frátria”. A triste cena do menino sírio morto numa praia da Turquia me fez lembrar que, pouco tempo atrás, comentei num grupo que eu “me sentia muito além da discussão do sentido de pátria” (o que gerou uma discussão acalorada), isso porque hoje me considero não mais uma brasileira, mas sim uma cidadã do mundo.

“Não tenho pátria, tenho mátria, e quero frátria”, como bem disse Caetano Veloso na bela poesia da música “Língua” em que, ao mesmo tempo, enaltece a nossa língua “brasileira” assim como o nosso povo, não desmerecendo a nossa origem portuguesa e unificando através da música todos os demais países com o nosso idioma.



E Caetano vai longe ao mostrar que não devemos ter inveja das outras línguas (é a velha “síndrome do vira-lata”, título dado por Nélson Rodrigues aos brasileiros com “narcisismo às avessas”), como a dos “americanizados” (título mal afamado e injustamente dado à nossa portuguesa abrasileirada Carmen Miranda), mostrando que “a língua é viva” e deve ser celebrada por tudo aquilo que ela representa, ou seja, a cultura, a arte, o pensamento.



Mas eu vou mais longe que Caetano, pois hoje me considero uma cidadã do mundo e a minha “frátria” ultrapassa línguas, fronteiras, assim como nacionalidades e sentimentos de patriotismo. A tal discussão (do início do texto) que me envolvi, aconteceu num grupo de whatsApp, e reclamavam, entre outros assuntos, da crise política e econômica no Brasil – alguns mais exaltados reivindicavam a volta dos “áureos” tempos de outrora (áureos? quando da inflação de 80% ao mês e 490% ao ano há 20/30 anos atrás, e nenhum político sabidamente corrupto preso, todos “livres, leves e soltos”, debochando descaradamente da nossa cara?)...

E alguns, inclusive, pediam “a volta dos militares” (prá quê? para voltarmos a ter “receita de bolo” como notícia de primeira página do jornal de maior circulação, tal era a censura dos “verdinhos”??). “Aula de História neles!!!” E quem disse que não tinha corrupção na Petrobrás desde a era militar (governo Geisel) até a era FHC ??!! Que o diga o jornalista Paulo Francis, que foi o único processado por ter aberto o bico na época, nos idos anos 90, na era FHC!!! (detalhes no documentário Caro Francis”, onde amigos alegam que o que infartou e matou o jornalista foi o estresse frente a esse processo que perdurou por anos na justiça).




E um comprimido de “memoriol” para refrescar a memória curtíssima dos pobres coitados (que o diga FHC e sua crise econômica de 1999, idêntica ou pior que a atual ...dólar e inflação em alta, aumento da gasolina, desemprego, aumento de impostos e por aí vai... logo após a sua reeleição, sabidamente comprada com o mensalão da época – a corrupção deslavada era a ordem do dia”, mas só FHC não sabia – e o “Fora FHC” da época era anti-democrático e golpismo, segundo o próprio FHC).



Na tal discussão acalorada, eu tinha dito que, como adorável anarquista, eu não tinha pátria, nem time, nem religião, nem partido, e por aí vai... e tentei me explicar, porque hoje acredito que o ser humano ao se segregar em templos, times, pátrias, partidos, fica alienado em seus mundinhos e em suas tribos com uma viseira invisível e não consegue enxergar, nem mesmo tolerar, quem não pactua com suas “limitações tribais”. 

Foi o suficiente para os “ceguetas” simplesmente surtarem e me execrarem, partindo para a ofensa (afinal eu tinha mexido em casa de marimbondo...). E nem me deixaram me defender, tiraram suas próprias conclusões, e fui então ofendida e tachada como “petulante”, “superior”, “aquela que se acha” e por aí vai... – mas sou ré confessa, eu realmente gosto de provocar, como anarquista eu preciso balançar esses conceitos arcaicos e jurássicos dessas tribos daltônicas...

E como resposta às ofensas, eu disse que, me incluindo como ser humano falho, eu tinha esta minha visão infelizmente ainda meio na teoria, pois ainda precisava evoluir muito na prática (porque, óbvio, ainda tenho enraizado meus conceitos e preconceitos, minha velha adoração pelo meu querido Brasil, etc) e que ficava difícil discutir com “alienígenas despeitados” (aff, como sou sarcástica, uahuahuah), e claro, depois disso tive que sair do grupo (que eu, no fundo, agradeci, pois gosto de discussões filosóficas e, irônica, não consigo me controlar, e nem todo mundo sabe relevar isso, logo se ofendem, e sem argumentos plausíveis vêm logo com o velho argumento de que não vão discutir ideologias, etc... saída fácil, não?).

Hoje eu acredito que, se todo ser humano valorizasse o país onde vive, fraternalmente, independente de sua origem (seja ela alemã, italiana, japonesa, americana e por aí vai), teríamos menos violência e mais cordialidade, menos preconceitos e mais tolerância, menos desumanidade e mais altruísmo, e ninguém mais promoveria guerras “para defender sua bandeira ou seu território”, e talvez cenas do passado como a da menina vietnamita nua, queimada, gritando de dor, fugindo do explosivo napalm (guerra do Vietnã, nos anos 60/70) não se reproduzisse hoje no menino sírio morto numa praia da Turquia.

                                 
Mas, “deixando a tristeza prá trás”, continuo esse texto com o otimismo dos estrangeiros por nosso país, nosso povo, nosso clima, nossa (boa) música... Por isso, volto aqui à “minha série” sobre o Brasil na visão dos estrangeiros.

Não. Com certeza, não. O brasileiro não é, e nunca foi, “uma piada de mau gosto no exterior” (que li há pouco num post de um amigo com a tal viseira partidária). Ao contrário, o estrangeiro não entende porque o Brasil “cospe tanto na própria cara”, e nem porque o brasileiro se acha “o vira-lata e a escória do mundo”, se lá fora (como reconhece o francês Oliver Teboul há dois anos no Brasil) também há, em maior ou menor grau que aqui, violência nas ruas e no trânsito, engarrafamentos, presídios superlotados, obras públicas inacabadas e superfaturadas, e finalmente políticos presos por corrupção (enfim, thanks, my Lord, estamos nos igualando aos países do primeiro mundo nesse quesito, corrupção agora sim com punição  mesmo que ainda seletivamente, vide The Intouchables Serra, Calheiros, Collor, e agora o Cunha... como bem mostra o jornalista humorístico José Simão – mas já é um marco histórico).

                             


Não se trata de fechar os olhos para os problemas brasileiros (como sempre fez o país com a corrupção e a impunidade que, há mais de meio século, ainda perduram em números escandalosos por aqui, desde o então Engavetador Geral Geraldo Brindeiro, do período FHC, que dava um jeitinho de arquivar os mais de 600 processos de corrupção da época  e que FHC tenta enrolar, sem sucesso, o jornalista britânico do programa londrino Hardtalk), mas trata-se de ser realista sem ser pessimista em relação ao país.




O programa “Chegadas e Partidas”, apresentado semanalmente na GNT pela jornalista Astrid Fontenelle, mostra como estrangeiros têm um sentimento todo especial pela nossa cultura e nossos costumes (os mesmos menosprezados por muitos brasileiros com “síndrome de vira-lata”).

Diz uma dinamarquesa (que morou um ano no Nordeste), chorando, ao ter que se despedir do Brasil contra a sua vontade (ao som da bela “Baby”, dos Mutantes, cantada por Mallu Magalhães, uma das novas revelações musicais mal divulgadas por aqui): “o maior aprendizado que eu tive aqui no Brasil foi a cultura... “eu mudei muito aqui no Brasil”... “eu sou quase brasileira agora”... “eu não queria voltar para o meu país, eu queria ficar no Brasil” (“Baby, vivemos na melhor cidade da América do Sul...).



Diferente da cidadã dinamarquesa apaixonada pelo Brasil, nos anos 60, Caetano Veloso foi “convidado”, em plena ditadura militar, a deixar o Brasil e se exilar no exterior (seu crime foi apenas ter protestado contra o regime militar enrolando a bandeira do Brasil em volta do corpo, e por ter cantado o hino brasileiro em tom não oficial; e os “sem noção” hoje vão às ruas xingar a presidenta eleita pelo povo e, contraditoriamente, pedir a volta dos militares); e em Londres, saudoso do nosso Brasil, sem poder retornar (do contrário, seria preso pelos militares) escreveu a bela “London, London”.



E se a dinamarquesa, em prantos, lamenta ter que ir embora do nosso país e voltar para a sua pátria por conta do término do intercâmbio, Vinicius de Moraes no seu exílio durante a ditadura militar nos anos 60/70 (quando vários artistas foram perseguidos por suas músicas contestadoras do regime militar) escreve o belo poema Pátria minha, amargurado por ter sido obrigado a deixar o Brasil.





E nas minhas andanças por aqui e acolá, uma das boas coisas que mais me chama a atenção, quando viajo para fora do país, é a cultura da música de rua que se vê pelos metrôs, praças, parques e esquinas de grandes metrópoles cosmopolitas como Paris, Londres, Nova York, Amsterdã e por aí vai... a música de rua se faz presente e leva harmonia e fraternidade entre as pessoas, quaisquer que sejam suas origens, suas crenças e suas preferências sexuais.

E na recente virada do século, no início do ano 2000, o engenheiro de som Mark Johnson teve a bela ideia de reunir num documentário músicos de rua de diversos lugares do mundo de várias raças e religiões em seus habitats naturais, ao ar livre em parques, praças, montanhas, dos cinco continentes, para celebrar a união dos povos através da música de rua.

O projeto intitulado “Playing for change” (que anos depois rendeu também um show ao vivo) contou com a participação de negros, brancos e indígenas, árabes, judeus e muçulmanos, todos interpretando hinos-pop de paz, cada qual com sua performance própria, num evidente apelo por um mundo melhor. 

a famosa “Stand by me” (que ganhou fama mundial na voz de John Lennon) e outras tiveram como objetivo levar músicos de diversos países (inclusive o nosso músico César Pope foi um deles) virtualmente a promover a paz e a tolerância aos quatro cantos do mundo.



Canções revolucionárias e pacíficas como “One love”, “War”, “No more trouble”, “Redemption Song” (todas de Bob Marley) entre outras foram interpretadas de maneiras variadas por percussionistas, violocentistas,  guitarristas e até pelo cavaquinho do nosso único músico brasileiro participante (entre mais de cem músicos).




E o interessante é que, no meio desse fervilhão multicultural cosmopolita, quando estou nessas cidades estrangeiras, emocionada e feliz da vida, eu sempre ouço nas rádios londrinas, parisienses (e outras) composições dos nossos grandes nomes da MPB, de Chico Buarque a Tom Jobim, Elis Regina, Vinicius de Moraes, Baden Powell (no vídeo abaixo, algumas das divertidas histórias das criações de músicas eternas – e quão preciosa era a nossa MPB, quase um Chopin), artistas esses que infelizmente, diferente da visão do estrangeiro sobre o nosso país, estão quase esquecidos nas nossas rádios brasileiras (que “cismam” em propagar musiquinhas sem nenhuma poesia, harmonia, ritmo ou arranjos, leia-se “as medíocres sertanejas universitárias” e os “funks bate-estacas” da vida).




Em tempo: uma interessante jogada publicitária, aproveitando para propagar espertamente sua ótima programação de rock, uma rádio lança um vídeo em que um jovem, “endemonizado” e “possuído” pela lavagem cerebral da pobreza musical dos últimos tempos, é submetido a uma sessão de “endorcismo” (que seria o contrário do exorcismo) na qual um roqueiro (que lembra o cantor Neil Young) consegue fazer o espírito do rock voltar ao corpo do rapaz.

Durante a sessão espiritual o roqueiro emite através da sua guitarra famosos riffs e acordes clássicos do rock toda vez que o garoto começa a dançar os tais ritmozinhos medíocres. O vídeo é veiculado na web com o mais que adequado título “Vade retro, mau gosto musical”(uahuahuah).



E para alívio dessa “tragédia grega” que tem sofrido a nossa MPB, a minha cidade adotiva, Niterói, tem investido nesse mundo mágico da música de rua, pois precisamos urgentemente dar mais valor a nossa (boa) música popular brasileira, dando chance a novos e reais talentos, no meio da horrenda proliferação de péssimos representantes da nossa música atual.

E também o cinema tenta resgatar nossas belas músicas de outrora e não deixa por menos – o belo e emotivo filme brasileiro “Os desafinados” do diretor Walter Lima Jr (o mesmo de “Inocência” e  de “A ostra e o vento”) é uma bela homenagem ao auge da nossa saudosa bossa nova, no qual seis artistas (entre os quais Rodrigo Santoro e Cláudia Abreu), em plena ditadura militar na América Latina, no caso no Brasil e na Argentina (com as consequências cruéis das mesmas), tentam um “lugar ao sol” na terra do Tio Sam.



E depois desta mais que saudável miscelânea cultural e política, repito, quero minha frátria amada Brasil digna e justa (não sem corrupção porque isso é uma utopia no mundo inteiro, mas pelo menos com punição apartidária, porque um pai correto deve punir sempre o filho errado, qualquer que seja ele), mas também quero a raça pura e a impura da Alemanha de Hitler, também quero os vietnamitas comunistas do Norte aliados aos vietcongs capitalistas do Sul, também os turcos, sírios, curdos, palestinos, árabes sunitas e xiitas islâmicos de mãos dadas aos irmãos israelenses judeus, numa corrente de paz entre os seres humanos... (como prega o documentário “Promises - Promessas de um  novo mundo).




Em síntese, quero apenas preservar a minha, a nossa frátria amada Terra, e para isso deixo o inspirador vídeo (com belas cenas de cinema ao fundo) na voz do próprio astrônomo, o cientista Carl Sagan, quando da sua participação no projeto espacial Voyager” nos idos anos 70, já preocupado com o futuro do nosso planeta  Talvez não haja melhor demonstração da tolice das vaidades humanas do que a imagem distante do nosso pequeno mundo, o que enfatiza nossa responsabilidade de tratarmos melhor uns aos outros e de preservar e estimar o único lar que conhecemos, o nosso pequenino e finito pálido ponto azul”.



Postado por *Rosemery Nunes ("Adorável anarquista")

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