Casais "fakes" no cinema (e na vida real)




Amor... Amooor... Mooor...!!! (eca...irc...aff...). Já notaram como são deveras interessantes esses vocativos??? Pois eles são os mais ouvidos em público, advindos de casais visivelmente fakes...

A atriz Natália Klein está perfeita na série “Adorável psicose” ao retratar essas relações falidas (parodiando a abertura do ótimo filme “Forrest Gump”), na pele da sua hilária personagem psicótica, questionando o próprio relacionamento desde o início do mesmo (nitidamente mantido por falta de amor próprio e baixa autoestima) e mostrando a resposta malcriada do seu parceiro ao seu “carinhoso mooor (uahuahuah), mas mesmo assim ela não perde a pose” na frente dos outros, porque o objetivo principal é manter eternamente as aparências em público.





Grande parte dos casais que conheço que se encontram nesse famigerado contexto (e que desde o início do relacionamento visivelmente nada tinham em comum) têm esse estranho costume – em geral sempre se referem um ao outro (principalmente em público) com esses pedantes e batidos “amor”, “mor” e por aí vai... (claro que toda regra tem exceção, mas estatisticamente isso parece realmente acontecer em grandes proporções).

Em tempo: eu particularmente tenho verdadeira ojeriza por tais vocativos (acho brega, inclusive), e quando estou no começo de uma nova relação e o cara começa a me chamar de “mooor” (especialmente se for em público, e se ele usava o tal vocativo com a ex, então nem se fala...) eu já fico com um pé atrás, me soa sempre algo fake, me remete imediatamente a essas inúmeras relações decadentes que conheço...

E interessante é que, ao contrário, os casais que conheço que continuam bem nos seus relacionamentos (todos que conheço, sem exceção) jamais fazem (ou fizeram) uso desse tipo de comunicação entre eles, principalmente em público.

E não me perguntem o porquê, mas frequentemente viro “psicóloga” e/ou “orientadora sentimental” de amigos, que adoram me fazer de “confessionário” de seus relacionamentos, principalmente quando são relações conturbadas e conflitantes. E observando “de camarote” esses relacionamentos sabidamente e nitidamente falidos, percebo o quanto uso do “mooor” é extremamente comum entre eles...

Mas o que me intriga mesmo é o número cada vez maior de mulheres casadas e infelizes – algumas, inclusive, confessam para mim que já nem mesmo fazem sexo com o parceiro (algumas há mais de ano... inacreditável!!!) e muitas nem chegaram aos 40 anos ainda – e me pergunto como conseguem ficar dentro de um relacionamento assim??? Não consigo entender...

Mas afinal, desistiram da vida, “entregaram os pontos” aos 40 anos de idade??? O que percebo é que falta amor-próprio, é muita autoestima “zerada”, aceitar essa situação é deveras humilhante...

A escritora Clarice Lispector tinha uns vinte e poucos anos quando publicou A fuga”(que faz parte do livro A bela e a fera”) quando ainda não era famosa, mas já inquieta e questionadora; a personagem do conto é uma mulher casada que se sente renovada e livre, e enfim mulher”, quando decide, inesperadamente, no meio da noite, fugir do seu martírio de doze séculos” (como ela refere cada ano de seu matrimônio).

Mas eram os anos 40, ainda na metade do século XX e, apenas três horas após a fuga”, tomada pela insegurança de ter que enfrentar o labirinto de um futuro incerto, a protagonista disfarça as lágrimas e volta para casa para o seu passado frustrado e seu presente medíocre.

Em tempo: Clarice se separou nos anos 60 e dizia que seu maior drama era ser livre”; quem penetra na leitura da escritora percebe que a liberdade sempre foi uma conquista árdua (“liberdade é pouco; o que eu desejo ainda não tem nome”, do seu livro Perto do Coração Selvagem) e incessante para ela (eu ando sempre na contramão”, dizia ela). O seu último livro foi escrito no mesmo ano em que a escritora faleceu, na década de 70, tendo sido cinematografado com a atriz Marcela Cartaxo (como a protagonista nordestina Macabéia) que venceu o prêmio de melhor atriz no festival de cinema de Berlim, na década de 80.




Mas, assim como a protagonista do conto A fuga, ainda nos dias de hoje, muitas dessas mulheres ainda persistem nesse tipo de relação alegando filhos pequenos e/ou dificuldade financeira para assumir sozinha uma casa e os filhos (muitos pais realmente se “esquecem” dos filhos e de seus deveres paternos quando se separam), mas...  até dá para entender, embora eu não aceite essa passividade em pleno século XXI...

Mas... e as que têm filhos adolescentes (alguns até já adultos) e que podem se garantir financeiramente? Não consigo entender... Leio e releio manuais de psicologia, mas continuo sem entender o que leva essas mulheres (visivelmente infelizes) a insistirem nesse tipo de relacionamento falido e que, na maioria das vezes, o tal parceiro está invariavelmente pulando a cerca” e, em geral, a mulher não (se bem que isso vem mudando, as mulheres estão dando também suas escapadelas; não fossem elas mesmas a me contarem suas escapulidaseu mesma não desconfiaria de muitas aparentemente recatadas e fiéis).

Muitas só se separam quando “descobrem” (na verdade sempre souberam) a traição, mas depois aceitam o fulano de volta (conheço um monte nessa situação) e tudo se repete como antes, os mesmos problemas e as mesmas lamúrias de outrora (inclusive o fulano volta a “pular cerca”... nenhuma novidade...), isso porque o relacionamento sofreu os baques da separação, das brigas e das traições; mesmo assim muitas aceitam (resignadas) a “nova” situação, e não percebem de antemão que, em geral,  nada do que foi será do jeito que já foi um dia (Lulu Santos em Como uma onda).




Fico angustiada quando vejo qualquer mulher nessa situação, porque só ela pode se libertar (para o homem é muito conveniente a reconciliação e o retorno do casamento, ter alguém para cuidar da casa sem entrar em atrito com os filhos, já que são legítimos do casal e, de quebra, mantendo outra vida à parte, “pulando de galho em galho”), mas em geral a mulher ainda continua presa a conceitos morais que valorizam a “união” mesmo visivelmente falida – “até que a morte os separe” – mas a meu ver, esse tipo de casal fake, sem ironia, “já morreu e se esqueceu de deitar”. Dignos de pena.

E o cinema não se cansa de mostrar esses supostos casais “felizes”, que se escondem atrás de um relacionamento falso, enfadonho, vivendo de aparências, e martirizados e feridos no seu íntimo, como no ótimo filme “Beleza americana” (vencedor de cinco prêmios “Oscar”, inclusive melhor filme de 2000).

“American Beauty” é o protótipo fiel (e infiel, aproveitando o trocadilho) desses casais fakes, onde os protagonistas (Annette Bening e Kevin Spacey) são frequentemente vistos em público proferindo o famoso “honey” (que, ao pé da letra, significa “mel” e corresponde ao nosso “amooor ou queridaaa”) mas literalmente não se suportam e, óbvio, sempre rola affairs”, como era de se esperar, por baixo dos panos dessas relações falidas.




O medo de não conseguir outro relacionamento futuro (mais comum no caso das mulheres) ou de acharem que outro relacionamento poderá ser tão ou mais problemático que o atual (no caso dos homens) leva essas pessoas a continuarem eternamente nessas relações falsas e frustantes. 

Eu, sinceramente, prefiro ter a incerteza do futuro à certeza do presente decadente e falido – meu caminho é cada manhã, não procure saber onde estou, meu destino não é de ninguém... (Capital inicial em Primeiros erros).




Existe até comédia teatral sobre esses relacionamentos falidos, como é o caso do monólogo  “Não sou feliz...mas tenho marido” (com Zezé Polessa), mas vai por mim, viver neste tipo de relação, melhor “um vibrador” (rsrsrs); e leva a mal não, mas homem que vive “pulando cerca”, sinceramente, para mim “não serve nem para limpar o cocô do meu cachorro” (que eu nem tenho, uahuahuah).




Postado por *Rosemery Nunes ("Adorável anarquista")

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem