O livro "O corpo fala", de Pierre Weil e Roland Tompakow (que tem como subtítulo "A linguagem silenciosa da comunicação não verbal"), aborda de uma maneira didática e divertida (através de desenhos em quadrinhos) a complexa relação interpessoal da sociedade moderna contemporânea (inclusive no que diz respeito a relacionamentos e afinidades entre casais).
Como sou muito observadora, já há muito tempo (acho que desde menina) eu percebia, nas expressões corporais, o reflexo do nosso íntimo, sem a necessidade de verbalizá-lo, e ao contrário, como bem explica o tal livro, muitas das verbalizações não refletem o nosso verdadeiro "eu" interior.
A criança, na sua total inocência e na sua natural "mudez" do início da vida, talvez esteja na única fase da vida em que o ser humano expressa naturalmente todo o seu íntimo através das expressões corporais – se estiver com raiva ou chateada, a criança faz bico e franze a testa, já se estiver feliz, a criança sorri e se "desmonta" em gargalhadas, em qualquer lugar e como bem quiser, sem se importar com "o que os outros vão pensar".
Mas a sociedade nos impõe regras e situações que, aos poucos, vamos aprendendo a dissimular, muitas vezes não queremos deixar transparecer nossos sentimentos, e assim tentamos dissimular com falsas palavras, para despistarmos nossos sentimentos, nosso íntimo (mas nem sempre convencemos, pois o "corpo fala").
O livro mostra também como a linguagem corporal pode nos "trair"; por exemplo, podemos dizer "sim" verbalmente, mas o corpo pode estar "comunicando" sutilmente um "não", e vice-versa; e para perceber tudo isso, é só prestar atenção nos detalhes corporais – mãos, pés, postura, semblante, está tudo lá, nos denunciando, o "não" que na verdade é um sonoro "sim", ou um "sim" que na verdade é um gritante "não".
O livro nos coloca como "detetive" do íntimo das pessoas (e o nosso próprio) analisando o comportamento pessoal e interpessoal (através dos gestos corporais do indivíduo) dentro de uma sociedade – sentimentos de culpa, de repressão, de firmeza, de rejeição, de desconfiança, de fraqueza, de medo, e tantos outros; todos estão lá, "gritando", refletidos na postura do nosso corpo.
O artista mais conhecido na arte da pantomina (arte de narrar com o corpo) foi Charles Chaplin, mas talvez Buster Keaton (considerado "rival de Carlitos") tenha sido o precursor do "efeito Kuleshov" (detalhes adiante), porque intuitivamente Keaton percebeu que, mesmo mantendo-se sério e impassível diante das suas cenas hilárias (por jamais rir nos seus filmes, ele foi apelidado pelos críticos como "The Great Stone Face"), despertava assim maior curiosidade no espectador (o público, por sua vez, projetava nas imagens cômicas e inusitadas as suas próprias aspirações sentimentais, sensoriais e mesmo morais), o que o experimento do russo Kuleshov veio provar anos mais tarde.
Os dois exímios atores (Chaplin e Keaton) trabalharam juntos uma única vez, no mágico "Luzes da Ribalta" ("Limelight").
O experimento do cineasta russo Lev Kuleshov, nos primórdios do cinema no início do século XX, consistia em uma edição de vídeo em que um rosto sem mudança de expressão era intercalado a imagens diferentes que atribuíam sentimentos distintos no espectador, fazendo parecer para os espectadores que o rosto do ator em questão mudava a cada nova cena ("fácies" de fome, depois de tristeza e, a seguir, de desejo).
Mas, na verdade isso não ocorria, ou seja, a imagem do ator foi filmada uma única vez, porém os espectadores que assistiam as cenas admiravam "a melancolia na expressão do ator diante de um prato de sopa", depois ficaram comovidos pela "profunda tristeza com que o ator olhava uma criança morta" e viram "luxúria quando o ator fitou a sensual mulher no sofá". O efeito foi exaustivamente copiado por vários cineastas em seus filmes, entre eles, Sergei Eisenstein e Alfred Hitchcock.
Ou seja, a interpretação cerebral pode mudar de acordo com as imagens na tela, assim um cineasta pode, por exemplo, fazer o público odiar um mafioso, como acontece com o papel de Robert de Niro/Al Capone em "Os intocáveis".
Outra abordagem interessante do livro "O corpo fala" é sobre relacionamentos amorosos – ah, o amor – o autor compara nosso corpo com o de uma esfinge, a "esfinge dos egípcios", que era composta de quatro partes: um corpo de boi, tórax de leão, asas de águia e cabeça de homem.
A parte boi da esfinge seria nossa vida intuitiva e vegetativa, a parte leão seria nossa vida emocional, a parte águia seria nossa vida mental (espiritual e intelectual) e a parte cabeça de homem seria o conjunto das três partes, ou seja, a consciência e domínio dos três "bichos" que compõem nosso "eu".
O amor então acontece quando nossos "três bichos" (o intuitivo boi, o emotivo leão e a intelectual águia) entram em harmonia com outros "três bichos", e se um dos nossos três bichos não estiver harmônico com o de nosso parceiro, haveria atrito em alguma fase da vida e a relação não vingaria.
No início de um relacionamento "tudo são flores" porque, na maioria das vezes, não revelamos imediatamente nossos "três bichos", e causamos a ilusão de que eles são harmônicos com os do nosso novo par, mas só com o tempo é que vamos percebendo se "os bichos" realmente se encaixam.
No início de um relacionamento "tudo são flores" porque, na maioria das vezes, não revelamos imediatamente nossos "três bichos", e causamos a ilusão de que eles são harmônicos com os do nosso novo par, mas só com o tempo é que vamos percebendo se "os bichos" realmente se encaixam.
Mas muitos continuam num relacionamento sem perceber (ou não querem perceber) os evidentes desencontros entre os tais "bichos". Eu, ao contrário, já intuitiva desde a infância, acabei ficando "expert" na arte de perceber isso, ainda mais depois de ler o livro.
Já o rabino Nilton Bonder, em seu livro intitulado "A alma imoral", nos surpreende com o conceito de que a alma é transgressora, e é ela, imoral em sua concepção (e não o corpo), que rompe com conceitos e preconceitos enraizados em nossa consciência.
A leitura das famosas passagens da Bíblia que li e reli quando menina, que ao mesmo tempo me fascinavam e me intrigavam – meus pais compravam coleções ilustradas da "Bíblia Sagrada" com imensas e impressionantes (e impressionáveis) gravuras do Éden, Adão e Eva amaldiçoados por uma serpente, o mar Vermelho se abrindo para os hebreus em fuga, a mulher transformada em estátua de sal, etc.
E de repente, todas aquelas parábolas, agora revisitadas pelo rabino e sendo comparadas aos dias atuais, com a nossa atualidade, com o nosso dia a dia, nossos erros e acertos nos relacionamentos interpessoais, nossa alma desnudada sem malícia e sem pudor.
O bom e o correto, o mau e o errado... e, de repente, o correto que nem sempre é bom, e o errado que nem sempre é mau... a traição à tradição... e a alma, em sua proposta evolutiva, que desobedece e transgride (por isso "imoral") e que, apesar de transgressora, não se trai a si própria.
Em geral é a alma que transgride (quando, por exemplo, começamos a enfrentar atritos num relacionamento afetivo) e é ela que rompe com aquele destino já traçado, e o corpo então questiona a "sensatez" da alma, que por sua vez, impõe uma "caminhada" que, para o corpo, acaba por ser um enfrentamento, com uma barreira aparentemente intransponível.
O livro "A alma imoral" foi adaptado para o teatro pela atriz Clarice Niskier. A atriz está perfeita em cena, num monólogo despido de pudores, em que se apresenta totalmente nua (se cobre em vários momentos com apenas um pano preto transparente que lhe serve de vestimenta nos diversas passagens da história da humanidade), numa alusão de que podemos estar nus pois o corpo é amoral, e imoral mesmo é a alma.
A alma é livre, precisa evoluir, por isso não tolera amarras. No livro, o rabino explica melhor isso, através de uma das parábolas, a dos judeus fugindo do exército egípcio (em busca da terra prometida, encurralados diante do mar Vermelho e atrás deles o exército), e o autor compara esse episódio bíblico com os processos de mudança que ocorrem na nossa vida (amorosa, profissional, familiar, etc).
O Egito tinha sido "um lugar amplo", mas agora tinha se tornado um "lugar estreito", o povo judeu precisava se libertar e sair em busca da terra prometida, e agora o imenso mar os separava do futuro e o passado lá atrás já não era o melhor lugar.
Segundo a Bíblia, o povo judeu, diante da incerteza, se dividiu em quatro acampamentos de acordo com suas escolhas: o primeiro quer voltar, o segundo quer lutar, o terceiro quer jogar-se ao mar e o quarto mobiliza-se em oração.
Ou seja: ou ficamos escravos de um relacionamento (como no "primeiro acampamento"), ou tentamos "brigar" achando que vamos mudar nosso parceiro (o "segundo acampamento"), ou então desistimos e "entregamos" os pontos (os suicidas) ou então apenas rezamos, acreditando que vamos nos adaptar àquele relacionamento fracassado (como no "quarto acampamento").
Segundo a Bíblia, o povo judeu, diante da incerteza, se dividiu em quatro acampamentos de acordo com suas escolhas: o primeiro quer voltar, o segundo quer lutar, o terceiro quer jogar-se ao mar e o quarto mobiliza-se em oração.
Ou seja: ou ficamos escravos de um relacionamento (como no "primeiro acampamento"), ou tentamos "brigar" achando que vamos mudar nosso parceiro (o "segundo acampamento"), ou então desistimos e "entregamos" os pontos (os suicidas) ou então apenas rezamos, acreditando que vamos nos adaptar àquele relacionamento fracassado (como no "quarto acampamento").
Qual a melhor escolha? Voltar pro Egito? (aceitar ser escravo do lugar estreito?) Lutar contra os egípcios? (na ilusão de que o lugar estreito irá se ampliar à força?) Jogar-se ao mar? (desistir de tudo? do passado e do futuro?) Rezar? (para aceitar o lugar estreito, fingindo que ele tornou-se amplo?)
No livro, o rabino mostra que, também na nossa vida (sentimental, profissional, familiar) tendemos a assumir um dos quatro "acampamentos", quando nossa alma anseia por sair de "algum lugar estreito" que um dia até foi amplo mas que agora nos oprime.
Então, qual a melhor escolha? Qual dos quatro "acampamentos" seria o mais adequado quando estamos, por exemplo, num relacionamento afetivo "estreito", que já não nos preenche a alma? Segundo o rabino, nenhum dos quatros "acampamentos" é a resposta certa para a alma imoral, para o futuro.
E ele explica isso através de outro acontecimento nesse episódio bíblico, quando Deus manda uma ordem para Moisés: "Diga a Israel que marche". Mas o povo receoso se dividiu nos tais acampamentos. Eis que, segundo o Talmud, um judeu que não sabia nadar, começou a adentrar as águas do mar, e apenas quando não dava mais pé, com a água já lhe alcançando as narinas, então as águas do mar Vermelho se abriram no episódio conhecido de todos.
Numa alusão ao que acontece na nossa vida (em matéria de relações interpessoais), o futuro só se desponta no horizonte, se acreditarmos nele, ou seja, enquanto acharmos "que dá pé", ficamos estacionados num dos quatro "acampamentos" e não evoluímos.
O que não existia passa a existir e um novo lugar amplo se faz acessível. Esse profundo ato de confiança em si mesmo e no processo evolutivo da vida garante a passagem pelo aparente vazio que, magicamente, se concretiza em "chão" sob nossos pés.
Eu assisti a peça teatral e ninguém resiste, praticamente todos sem exceção aplaudem de pé ao monólogo instigante e intrigante. "A alma imoral" é um livro cujo texto amoral põe o mundo moral abaixo, ao expor a alma em sua forma transgressora e imoral. Necessário. Revelador.
Longe de se enquadrarem em "livros de auto-ajuda", tanto "A Alma imoral" quanto "O corpo fala" são leituras de grande valia no entendimento das nossas tão conturbadas relações interpessoais (no trabalho, na família, no amor) dos dias de hoje.
Mas, é claro que, nem sempre a mensagem do corpo é a real, por isso é preciso tempo para tais percepções, senão corremos o risco de interpretar erroneamente tais mensagens (assista abaixo, rsrs).
Postado por *Rosemery Nunes ("Adorável anarquista")
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