As regras do jogo da vida




Qual a regra que você segue na sua vida? Quais são as regras do seu jogo? Que sentido você dá à sua vida (seja ela pessoal, emocional, profissional)?

Qual é o seu espírito de vingança? Um prato que se come frio? Sajudado por um inimigo ou ferido por um amigo, devemos retribuir na mesma moeda?

Dá para esquecer o passado? Você estaria sempre inclinado a conceber a misericórdia do perdão? A praticar a sinceridade que ensina ou a verdade que corrige? Ajudaria um estranho carente?

Tiraria proveito de alguém? Brincaria com os sentimentos alheios? Se deixaria envolver sentimentalmente, sem questionar o quanto este envolvimento irá machucar o outro, se não correspondido?

E quanto a “fechar os olhos” e se omitir, quando uma injustiça não afeta os nossos entes queridos? Suas regras incluem dois pesos e duas medidas”?

Martin Luther King deixou escrito: “não me preocupam os gritos dos maus, mas sim o silêncio dos bons”. Eu, particularmente, não posso conceber que, pessoas de boa índole, se abstenham de qualquer envolvimento com o próximo, e se sintam confortáveis quando dizem “fiz minha obrigação, a minha parte, e não posso fazer nada se outros não cumprem as deles”.

Se a falha dos outros prejudica a nós, ou ao nosso próximo (sejam eles nossos parentes, nossos clientes, nossos pacientes), claro que temos obrigação de cobrar desses tais indivíduos (ou de autoridades que o valham), pois se cruzamos os braços e não cobramos um compromisso da parte delas, estamos sendo coniventes e cúmplices de negligência e falta de comprometimento com o nosso próximo.




Muitas são as opções, e nossas escolhas dependem do que aprendemos na nossa longa e árdua estrada da vida. Desde a infância nos ensinam jogos de ganhar ou perder.

Assim, jogos de “ganhar/perder” nos parecem tão naturais... ou se ganha ou se perde. Não há ambiguidade nesses jogos. E não temos dúvida sobre as intenções do nosso adversário – de acordo com as regras do jogo, ele fará de tudo para nos derrotar e vice-versa. Por isso são chamados de jogos de “soma zero” (futebol, vôlei, xadrez, e tantos outros)

Em tempo: nessas horas, me lembro do Snoopy, nas cenas em que, invariavelmente, o divertido (e irritadiço) cãozinho, se vê às voltas com a sensação irreparável da derrota (e a nossa idêntica reação, muitas vezes desoladora e dramática, quando diante da invencibilidade do adversário); e, ao competir com o irreverente Woodstock, numa das tirinhas do quadrinho, Snoopy dispara inconformado: “Não importa ganhar ou perder... até você perder”.




Aprendemos jogos com finais como ganhar ou perder... e por que não nos ensinam finais diferentes, pelo menos, nos jogos da vida? Seriam possíveis jogos de ganhar/ganhar? É possível um jogo em que todos saiam literalmente ganhando? E de perder/perder?

Interesses humanos vitais, como o amor, a amizade, a paternidade e a maternidade, a busca de conhecimentos, na arte e na música, são proposições de ganhar/ganhar. Quanto aos jogos da vida em que todos saem perdendo (perder/perder), temos as guerras (e num mundo de guerras nucleares, a hostilidade inflexível gera perigos terríveis, para todos, sem exceção), os ataques ao meio ambiente e a depressão econômica.

E quando se trata do jogo da vida, que regras vamos usar? O cientista e astrônomo Carl Sagan, no seu livro Bilhões e bilhões - reflexões sobre vida e morte na virada do milênio, nos aponta cinco possíveis regras da vida, todas expostas ao nosso livre arbítrio, que são:
  1. Regra de Ouro:  “Faça com o outro o que desejas que te façam”. 
  2. Regra de Prata: Não faça com o outro o que não desejas que te façam.
  3. Regra de Bronze: “Faz ao outro o que te fazem”. 
  4. Regra de Ferro: “Faz ao outro o que quiseres, antes que te façam o mesmo”. 
  5. Regra “tit for tat”: “Coopera primeiro, e depois faz ao outro o mesmo que ele te faz.



                                                                                                                                                           

                      A Regra de Ouro é a mais conhecida (e a menos praticada)  vem desde os tempos bíblicos, no Novo Testamento, e é atribuída a Jesus de Nazaré que pregava ofereça uma face e mesmo que esbofeteada, ofereça a outra, ou seja, pregue a bondade e pague o mal também com a bondade. Mas essa regra não leva em conta a natureza e as diferenças humanas; por exemplo, o masoquista estaria seguindo essa regra ao infligir dor ao seu próximo. Seria justo? Difícil, nos dias de hoje, essa regra ser seguida isoladamente.

Mas, e se a Regra de Ouro for associada à Regra de Prata ? Os exemplos mais inspiradores da Regra de Prata (“não faças ao outro o que não desejas que te façam”), no século XX, foram Mahatma Gandhi e Martin Luther King (e também seguida pelo atual Dalai Lama).

Eles aconselharam povos oprimidos a não pagarem a violência com mais violência, mas também a não serem submissos e obedientes. Ao contrário, pregaram a desobediência civil pacífica, procurando “derreter” os corações de seus opressores (colocando o próprio corpo na “linha de tiro”) e daqueles que ainda não tinham opinião a respeito de uma lei injusta. O filme Gandhi”, da década de 80, com o ótimo ator Ben Kingsley, retrata magistralmente a força do discurso do líder indiano.




Mas como conciliar a regra da não violência contra aqueles com regras menos elevadas de conduta, que só compreendem o domínio e a força? Fica difícil aplicar essa regra quando lidamos com sociopatas, que pouco se importam com os sentimentos alheios, que desconhecem o bom exemplo e sentimentos como piedade ou vergonha, e são incapazes de se redimir, diante de atrocidades e barbaridades cometidas por eles mesmos. 


A Regra de Bronze (faz aos outros o que te fazem) era em parte pregada pelo pensador chinês Confúcio que dizia: pague a bondade com bondade, mas o mal com justiça. E completava: se o inimigo se inclina para a paz, incline-se também para a paz (e vice-versa, segundo a regra). Apesar do aparente caráter prático, violência gera violência e cada lado tem sua razão para odiar o outro. A parte razoável dentro de nós tenta manter a paz, mas diante de atrocidades a nossa parte passional em geral clama por vingança.

Já na Regra de Ferro (“faz, aos outros, o que quiseres, antes que te façam o mesmo) aquele que tem o ouro, cria e dita as regras. Esta é a máxima secreta de muitos, o preceito implícito dos poderosos.


O cientista nos alerta que nossa visão fica perigosamente estreita se apenas conhecemos o ganhar/perder, mas se veneramos tanto a Regra de Ouro, por que ela é tão rara nos jogos que ensinamos às nossas crianças? pergunta Sagan.

No entanto, as Regras de Ouro e de Prata parecem complacentes demais, pois elas simplesmente deixam de punir a crueldade e a exploração. Com essas regras, espera-se persuadir pessoas a abandonar o mal e a fazer o bem, mostrando que a bondade é possível, mas... e quanto aos sociopatas que desconhecem sentimentos altruístas?

“Haveria alguma regra entre a de Ouro e a de Prata de um lado, e a de Bronze e a de Ferro do outro lado, que funcionaria melhor do que qualquer uma delas isoladamente?” indaga em seu livro o cientista e astrônomo Carl Sagan.

Em tempo: antes de seguir com a resposta, o astrônomo Carl Sagan nos mostra como somos ínfimos e irrelevantes, apenas um pálido ponto azul na imensidão cósmica no universo infinito (no tocante, revelador e emocionante vídeo, com belas cenas de cinema, como ilustração) e ainda assim continuamos arrogantes, tolos e predadores de nós mesmos.



Com tantas regras diferentes, como podemos saber qual usar, aquela que realmente vai funcionar? Também é correto nos omitir, num claro jogo típico de não me comprometa? É fácil falar faço minha parte e pronto”; e “fecha-se o olho” para injustiças e barbaridades cometidas por outrem a estranhos que não nos dizem respeito?

Segundo o astrônomo, essas perguntas podem ser respondidas cientificamente pela Teoria do jogo, teoria esta usada como entretenimento, mas também em táticas e estratégias militares, na competição e na política comercial e, de quebra, nas nossas relações inter-pessoais, quaisquer que sejam elas.

O jogo paradigmático dessa teoria é o Dilema do Prisioneiro. E ele está muito distante da soma-zero. Os resultados de ganhar/ganhar, ganhar/perder e perder/perder são todos eles possíveis.

Em tempo: a Teoria do jogo foi exaustivamente estudada por John Nash, um exímio matemático, prêmio Nobel de economia na década de 90, cuja biografia e doença mental (apesar de gênio, ele era esquizofrênico) foram retratadas no excelente A beautiful mind (“Uma mente brilhante), com Russell Crowe no papel principal.



Vamos então ao Dilema”: imagina que você e um amigo são presos, acusados de cometerem um assassinato. Para fins de jogo, não importa se um de vocês cometeu o crime, se nenhum cometeu o crime, ou se os dois cometeram o crime. O que importa é que a polícia pensa que vocês o cometeram, e assim ambos são levados separadamente para interrogatório.

No jogo, há três resultados possíveis, com penas distintas, propostas pela polícia:
  1. Se você se declarar inocente e o seu amigo também, o caso será difícil de ser provado, e a sentença será muito leve.
  2. Se você se declarar culpado, e seu amigo também, o Estado não terá gasto para solucionar o caso e a sentença será ainda leve, mas não tão leve quanto à anterior.
  3. Mas se você declarar inocência e seu amigo confessar o crime, o Estado vai pedir sentença máxima para você que alegou inocência, e punição mínima (ou nenhuma) para o seu amigo que se declarou culpado.

Ou seja, tanto você como seu amigo estarão vulneráveis a uma espécie de traição de cada lado. Assim, se você  e seu amigo cooperarem um com o outro, ou seja, ambos alegando inocência (ou ambos declarando-se culpados), os dois escapam do pior.

Mas, como você não tem ideia do que “teu amigo” vai declarar, se você declarar culpa, haverá a chance de você “se dar bem”, pois a declaração de culpa do teu amigo ainda lhe será benéfica, e se ele ao contrário se declarar inocente, ele se dará mal, e você ao contrário poderá ficar livre mesmo após ter se declarado culpado. Só que, enlouquecedoramente, o seu amigo estará pensando o mesmo que você.

Se cooperarem um com o outro, os dois saem ganhando. Do contrário, um dos dois será imensamente prejudicado. Mas como saber o que pretende o suposto amigo? Por isso, é chamado “o dilema do prisioneiro”. Cientificamente, esse jogo é feito sub-repticiamente, para que os jogadores descubram, pela punição que sofreram, o que o outro deve ter alegado. Ambos ganham, assim, experiência sobre a estratégia (e claro, sobre o caráter) um do outro.

O que se observa cientificamente é que, se você colabora demais, o outro jogador pode explorar a sua boa natureza. E se você trai demais, é provável que seu amigo vá traí-lo muitas vezes, e isso é ruim para os dois. O que se percebeu, nos estudos científicos, é que a estratégia mais eficaz é a chamada “Regra Tit-for-tat” (“pagar na mesma moeda”) – ou seja, você começa colaborando, mas em cada rodada subseqüente apenas faz o que o seu adversário lhe fez na vez passada, e quando teu amigo volta a cooperar, você se mostra disposto a esquecer o passado.

E transportando “O dilema do prisioneiro” para o nosso cotidiano, essa talvez seja a melhor estratégia que, segundo estudiosos, podemos usar nas nossas relações pessoais e profissionais (com o nosso parceiro, com os nossos filhos, com o nosso colega de trabalho), dando-lhes primeiro um voto de confiança, e depois segue-se as regras que o outro joga.

E é assim que hoje eu me relaciono com as pessoas. Inicialmente eu me dedico a elas, me envolvo cooperando em tudo que estiver ao meu alcance, e as respeito, esperando a mesma “cooperação” da parte delas. Mas, a partir do momento que não existir mais respeito e/ou consideração do outro para comigo, a minha estratégia é de também não mais me preocupar em respeitá-lo.

E, na mesma medida da minha decepção em não receber a mesma colaboração”, a partir desse ponto também a minha admiração se esvai “ralo abaixo” (e isso vale para qualquer tipo de relação seja profissional, pessoal e mesmo com meu parceiro íntimo) e, assim, a melhor maneira que encontro na “sequência do jogo” é partir para a “indiferença”, que ainda é “a maneira mais polida de se desprezar alguém” como já disse, um dia, o poeta e cronista Mário Quintana.

É certo que, segundo a tal experiência científica que advoga o cientista em seu excelente livro, se o indivíduo voltar a “colaborar” (leia-se, me respeitar), eu deveria me mostrar disposta a “esquecer o passado”, mas confesso esta a minha falha, posso até tentar perdoar, mas esquecer, ainda para mim, é um esforço sobrenatural, raramente consigo apagar uma mágoa.

Ser traído (pelo parceiro íntimo, pelo amigo, pelo colega de profissão) me leva a um sentimento eterno de desconfiança em relação ao traidor, a uma perda de minha estima para com o traidor que faz com que eu tenha uma grande dificuldade de refazer a admiração que antes existia.

Eu até consigo perdoar mas tenho que fazer um esforço sobre-humano e só se literalmente me implorar, e me provar que posso voltar a ter confiança e que não mais me decepcionarei de novo. Confesso que é uma grave falha minha, pois todos somos passíveis de errar, mas não me é fácil conviver com esse sentimento de traição (e acho que não sou a única).

Para fechar este texto, claro que o cinema não seria deixado de lado. A sétima arte está sempre repleta de filmes sobre ensinamentos altruístas . No filme A corrente do bemkevin Spacey ensina crianças (o ator mirim Haken Joel Osmenta se tornarem altruístas e se comprometerem a transformar o mundo num lugar melhor de se viver.




O filme europeu No man's land, de 2001 (no Brasil ,Terra de ninguém) mostra a (im)provável solidariedade entre um sérvio e um bósnio, que acontece quando os objetivos militares (ganhar/perder) se desfazem e entra em jogo a própria sobrevivência.



E “Sete anos no Tibet” traz Brad Pitt na pele do verdadeiro Heinrich Harrer, alpinista austríaco que tinha decidido escalar o pico mais alto do Himalaia, na década de 40. Arrogante militante do partido nazista em plena segunda guerra mundial, acaba sendo detido mas consegue escapar do campo de prisioneiros na Índia, indo parar no Tibet, onde conhece o atual Dalai Lama, Tenzin Gyatzo, ainda menino.

E a amizade com o futuro líder religioso, a proximidade com a cultura local e com o budismo fazem o ambicioso desportista experimentar uma nova filosofia de vida, deixando a mesquinhez e a arrogância de lado, transformando-se num ser humano altruísta e solidário com o próximo.



E termino este texto, com uma coletânea de frases reflexivas, retiradas de várias películas famosas.



Postado por *Rosemery Nunes ("Adorável anarquista")

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem