Tenho estado em contato com antigos colegas de universidade (depois de mais de vinte anos sem nos vermos), que se surpreenderam ao me encontrarem tão “adorável anarquista”, pois se lembram de uma menina (que não sou mais, infelizmente, rsrs) muito “quieta e tímida” dos tempos da faculdade (de medicina).
Com certeza, para uma turma de quase cem alunos, minha postura diante da maioria dos colegas universitários era de timidez (o que ainda continuo sendo, quando diante de desconhecidos), mas sempre tive, no meu íntimo, um espírito “agitador e brigão” desde a adolescência, que eu não revelava facilmente, por motivos diversos, à época da faculdade.
E, assim, lembrei-me de que, certa vez, já formada (e com minha vida profissional à toda), um colega de trabalho (alguém que sequer trabalhava comigo no mesmo setor) questionou justamente o contrário. O tal tentava me convencer que eu tinha que mudar o foco das minhas “brigas” no trabalho, e na época escrevi um texto (que agora transcrevo parte dele aqui) sobre o tema “psique”, com a sétima arte, como sempre, me acompanhando de perto (e, também, um pouco da primeira arte, a música).
“Adorável anarquista” que sou, estou sempre às voltas “levantando alguma bandeira” contra alguma forma de injustiça, mau-caratismo e falta de ética, principalmente no meu ambiente de trabalho (porque ética é primordial na minha profissão). Não sei ficar calada, mesmo quando não me cabe me meter (tenho que me “policiar” muitas vezes na rua, no trânsito, numa fila, etc). Esse é (e sempre foi) simplesmente o meu jeito.
E o tal colega retruca: “tudo bem, lute, levante bandeiras, mas direcione melhor o foco para obter resultados positivos e para evitar que te sobrecarregues em estresse inútil”. Sim, até concordo, mas na verdade, já faço isso; apenas o colega só me viu numa das muitas situações que me encontro ao brigar contra injustiças e, equivocado, acha que só dou “murro em ponta de faca”, sempre.
Se fosse assim, eu não teria sido, por exemplo, eleita unânime representante da minha turma de mestrado. Ao perguntar, na época do mestrado, por que escolheram a mim (já que sempre fui tímida e nem tenho espírito de liderança), a resposta foi: “porque você é brigona, e quando você briga as coisas sempre acontecem, sempre melhoram” (é o reflexo das minhas boas “brigas”).
A maioria dos colegas da faculdade praticamente não conheceu este meu lado. Já o colega do trabalho só conheceu um dos meus lados “brigões” (e uma das brigas ruins). Mas, mesmo assim, na época em questão, “me fiz ouvidos” e deixei o colega do trabalho falar (mas retrucando sempre, porque rebelde, não consigo ficar quieta sem expor os meus argumentos para explicar minhas atitudes).
E foi assim que novamente me lembrei deste texto sobre a “Janela de Johari” (com o “puxão de orelha” do colega do trabalho e, agora , com os antigos colegas da faculdade que tinham uma outra impressão totalmente diferente da minha psique) e, como sempre, percebo que ainda hoje reluto em aumentar meu “feedback” (já consigo reconhecer o meu “eu cego”, mas até hoje ainda não consigo lidar com ele).
A Janela de Johari é uma ferramenta de auto-conhecimento, usada por psicólogos (o nome Johari são as iniciais dos dois psicólogos que criaram a tal janela, Joseph Luft e Harrington Ingham, há cerca de 50 anos) que mostra a interação entre a nossa auto percepção e a maneira como os outros nos vêem, e nos revela “porque a gente é do jeito que a gente é”.
Pode haver uma grande diferença entre a percepção que temos de nós mesmos e a forma como os outros nos avaliam. Por exemplo, podemos nos achar perfeccionistas, mas os que convivem conosco podem estar insatisfeitos com essa nossa suposta qualidade, achando na verdade essa “perfeição” um defeito, por tornar a vida delas um transtorno, por conta das nossas exigências “perfeccionistas”. Outro exemplo, você pode se considerar uma pessoa sincera, mas os outros à sua volta podem estar enxergando você como uma pessoa crítica, por conta de sua “extrema sinceridade”.
Assim, a Janela de Johari é dividida em quatro quadrantes que auxiliam no processo de percepção do indivíduo em relação a si mesmo:
1- O “eu público” ou “eu aberto” (ou “arena”) – é a parte formada pela própria auto-percepção do indivíduo, igualmente percebida pelos outros à volta (quanto mais transparentes somos, mais confiáveis seremos).
2- O “eu fechado” (ou “eu secreto” ou “fachada”) – só o indivíduo conhece tais características sobre si mesmo ( muitos mal entendidos poderiam ser desfeitos se nos abríssemos mais com as pessoas com as quais convivemos).
3- O “eu cego” (ou “mancha cega”) – é a área mais complexa, pois desconhecemos (ou não queremos admitir) o que os outros percebem em nós. É a mais difícil pois depende do “feedback” das pessoas que deveriam expor nossas falhas e defeitos, mas nem sempre as pessoas querem se indispor com o próximo apontando seus defeitos (e o contrário também é verdadeiro, nem sempre estamos dispostos a ouvir e corrigir nossas falhas).
4- O “eu desconhecido” – compreende a área do nosso inconsciente, ou seja, nem nós nem os que nos cercam conhecemos esse nosso lado. Só vamos conhecê-lo quando formos colocados diante de situações extremas em que pensávamos que agiríamos de uma forma e ao contrário podemos reagir de outra (por exemplo, só saberemos como realmente reagiremos a um assalto quando estivermos diante do mesmo).
A escritora e filósofa Márcia Tiburi, em seu vídeo intitulado “Branca de neve”, mostra os “nossos sete pecados capitais” e como as nossas “personas”, escondidas no nosso íntimo, se misturam para formar a nossa personalidade, que vamos mostrando umas mais que as outras (escondendo umas, revelando outras) dependendo das nossas relações inter-pessoais, recentes ou antigas (no trabalho, no amor, na amizade, na família).
A par da “Janela de Johari” e de todos os nossos “eus” e das nossas muitas “personas”, volto ao tema das minhas “brigas”. O tal colega do trabalho (que me deu o “feedback”) na verdade desconhece o que há por trás das minhas brigas. Ele tinha (como é muito comum) apenas uma visão parcial incompleta do meu “eu”. E muitos dos colegas de turma de faculdade também.
O problema é que eu sou impulsiva e tento me controlar, mas nem sempre eu consigo – faço terapia (uma ótima maneira para desvendar os nossos complexos “eus”) para tentar atingir um meio-termo (sim, meio-termo, porque jamais deixarei de ser “adorável anarquista”, gosto de ser “brigona”, me faz bem ) – assim, enquanto não tenho auto-controle, minhas brigas ora são boas ora ruins.
Já perdi muitas “batalhas” na minha vida e, inclusive, me prejudiquei, por tentar “bater em ponta de faca”, tudo porque antes contei com o apoio das pessoas à volta (porque, em geral, só “uma andorinha não faz verão”) e, infelizmente, as pessoas costumam se acovardar, e se escondem, não querem se comprometer.
Mas eu, ao contrário, não consigo me abster, tenho que me envolver, para mim é vital, só assim consigo botar a cabeça no travesseiro e dormir tranquila, com a sensação de dever cumprido, mesmo que “a luta” não dê em nada (mas, infelizmente, não é assim com todos, muitos se omitem, numa clara alusão de que “não é comigo, nem com os meus, então prá que me meter?”).
Ao contrário, quando no passado tentavam me calar (e talvez venha daí esta impressão dos colegas da faculdade, de que sempre fui “quietinha”), eu não era eu, me sentia anulada . A sensação de desconforto, aí sim, é enorme quando eu não entro numa “luta”, me sinto covarde se não lutar contra algo que acredito injusto, me sinto omissa, conivente, e daí sim me vem uma sensação de angústia (e aí sim, gera estresse) por não ter feito nada, por não ter reagido, por não ter exposto meu ponto de vista, por não ter me posicionado.
Mas que fazer? Paciência. Sou “adorável anarquista”... e tento ser “adorável” até onde der, mas não tenho sangue de barata. Não consigo não me envolver, me comprometo e ainda “assino embaixo”, literalmente. Não tenho medo de me expor. E tenho sempre que fazer um esforço sobre-humano para não me envolver em assuntos ou injustiças que não me dizem respeito – quando, por exemplo, na rua me confronto com um assalto a outrem, uma briga covarde ou quando algum transeunte desconhecido expõe uma opinião que eu não concorde.
Alguém já disse que “mulheres comportadas não fazem história”– acredito nisso, no sentido de submissão, óbvio (não no sentido do “bom ou mau” comportamento sexual, rsrs); e eu sou dessas nada “comportadas”, nada submissas, eu não aceito nada que me queiram enfiar “goela abaixo”, sem antes retrucar. Muitos insistem em me dizer: “Cuidado com o que você fala e/ou escreve, pois podem usar contra você” – e eu, “com os meus botões”, penso (logo existo): “fuck you” (rsrs).
Agradeço a preocupação de colegas e amigos, mas ainda não me convenceram que estou no caminho errado (meu “eu cego” logo entra em conflito com o meu “eu secreto”, porque tenho minhas razões íntimas para agir assim, que tento resolver com a terapia e não cabe aqui revelar) e, às vezes, vale o velho ditado “quem não deve, não teme”.
E, mal comparando, estou mais para o “estilo Malcom X do que para Martin Luther King” (mas nenhum dos dois líderes, cada um a seu modo, deixou de denunciar as injustiças sociais e raciais, mesmo sob a pena de serem assassinados, o que acabou por acontecer).
E vale lembrar (aos omissos) das palavras de Martin Luther king: “o que incomoda não são os gritos dos maus, mas sim o silêncio dos bons” ( na década de 80, a banda irlandesa U2 homenageou, com as famosas músicas “Pride, in the name of love” e “MLK”, o ativista pacífico Martin Luther King, morto uma década antes).
Analisando minha Janela de Johari, gostaria de ser mais pacifista nas minhas colocações, mas confesso ainda não conseguir isso, sou impulsiva e algo autoritária (na verdade, acredito que, por me cobrar muito, acabo cobrando dos outros, e passo às vezes essa imagem), e meu “eu cego” (não tão “cego” assim, pois já tenho plena consciência desta minha deficiência) não me deixa ser moderada nas minhas palavras e atitudes (o difícil é corrigir isso, mas estou empenhada nisso, com a ajuda da minha terapeuta, que por sinal fica “de cabelo em pé” comigo, rsrs, mas está sempre me apoiando).
O ideal é não ficarmos cegos e nos abstermos dos julgamentos (via “feedback”, que tanto pode ser positivo como negativo) com falsas presunções, mas também não nos deixar abater pelo que nos dizem. Mas até que acho que consigo ser “moderada” pelo menos quando escrevo (apesar de tender para o lado “politicamente incorreto”, rsrs).
Porque, por ser tímida, talvez eu não consiga expor com clareza meus pensamentos durante um diálogo. E, assim, se sou mal interpretada, tenho tendência (devido a minha impulsividade) a interpelar o meu ouvinte, e o que muitas vezes deveria ser um papo cordial, acaba se tornando um embate muitas vezes improdutivo, e como também tenho o defeito de ser orgulhosa, às vezes me deixo levar por esse sentimento, e a coisa pode descambar para uma ruptura entre os dois lados, infelizmente.
Por isso, digo brincando que “estou mais para Malcom X” (sem pretensão de ser comparada com o famoso líder, óbvio) – no filme biográfico, o orador ímpar e esquentado ativista, com sua língua afiada, é vivido pelo excelente ator Denzel Washington, dirigido por Spike Lee).
Mas eu me dobro, não sou de todo orgulhosa, pois se me convencerem que estou errada, eu juro que me dobro – mas confesso, o difícil é me convencerem (rsrs) – isto porque em geral, o que acontece é o contrário, eu é que acabo convencendo o meu opositor, já que procuro ter conhecimento de causa nas discussões que, por acaso, eu me envolva, e meus argumentos são em geral convincentes, embasados em geral em estudos e estatísticas, e assim acabo dobrando meu “oponente”.
É bem verdade que, às vezes, o meu oponente também é autoritário como eu, e não satisfeito em perder na “queda de braço”, sai da discussão, sem aceitar a “derrota” (ou então a “queda de braço” fica feia) e a ruptura ocorre então contra a minha vontade. E, confesso, um dos meus grandes problemas é que muito raramente eu consigo perdoar e esquecer uma mágoa (depois de uma destas brigas ruins).
No fim, o que posso concluir é que o ideal é que devemos evitar julgar as atitudes dos outros (e a nossa também), e sim nos manter atentos para os resultados que colhemos dessas nossas tais atitudes (e a dos outros), ou seja, se geram resultados positivos ou negativos, quaisquer que sejam estas atitudes.
E pensando assim, colocando numa balança, minhas atitudes têm gerado mais pontos positivos que negativos para o meu psique e para as minhas relações interpessoais (às vezes demoram para reconhecer que a minha “briga” era construtiva, mas muitos me procuram mais tarde e dão “o braço a torcer”).
A verdade é que não é nada fácil lidar com o nosso psique (e com o dos outros é ainda mais complexo), e somos todos falíveis (ou então “atire a pedra quem acha que não tem teto de vidro”). Mas um terapeuta para nos auxiliar a, pelo menos, enxergar nossas falhas (resolvê-las já é outra batalha) pode ser o diferencial.
Mas na minha opinião, antes de agradar aos outros, eu tenho que estar bem comigo mesma, e sem “brigar” decerto eu fico mal com o meu íntimo. Preciso só aprender a “maneirar” um pouco. Mas se for preciso, nada como o bom e velho “fuck you”. Portanto, saudações “anarquistas”.
E fecho este texto “anarquista” com a dica do filme “Persona”, do aclamado cineasta sueco Ingmar Bergman (a palavra “persona” vem do latim e significa “máscara”, e o psiquiatra suíço Carl Jung usou o termo para designar a personalidade do ser humano moldada pela adaptação social), que é o protótipo da crise de personalidade que todo mundo passa, em alguma época da sua vida, num questionamento profundo do ser humano e da sua psique.
Postado por *Rosemery Nunes ("Adorável anarquista")
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