Títulos de filmes: uma comédia à parte




Das inúmeras curiosidades do cinema, uma interessante é sobre os títulos dos filmes, sejam eles originais em inglês ou as versões em português (do Brasil e, principalmente, de Portugal) – às vezes, os títulos soam estranhos, parecendo nada ter a ver com o enredo do filme e, muitas vezes, soam mesmo hilários, num desencontro total, fugindo completamente da temática do filme.

Sabemos que, apesar de praticamente falarmos a mesma língua, muitas palavras têm significado totalmente diferente na terra dos lusitanos: por exemplo, um rapaz (ou um adolescente) por lá é “um puto”, camisinha é “durex”, injeção é “pica”, e um grupo de crianças é chamado de “canalhas”. Assim, a confusão está armada (e, com certeza, também a “zoação”).

Assim, antes de criticar (e “zoar”) títulos de filmes, principalmente aqueles na versão portuguesa dos nossos irmãos da “terrinha”, é bom lembrar que, de repente, quem sabe o título bizarro possa ser uma expressão idiomática de Portugal que desconhecemos.




E ainda persiste aquela velha “fama” dos portugueses, que todos conhecem – de que, em Portugal, nem é preciso ir ao cinema, pois “já se conhece a história só pelo título” – por exemplo, se o título no Brasil for “Quem matou fulano de tal?”, o mesmo filme teria, lá na “terrinha”, como título (ou subtítulo) o nome “Foi o mordomo” (kkk).

Na nossa infância, tínhamos uma velha brincadeira de mímica, chamada “adivinhe o nome do filme”, em que inventávamos títulos surreais como “Incêndio na caixa d’água”, “Poeira em alto mar”, “A volta dos que não foram” e “As longas tranças do careca”.

E corre solto, entre nós, as piadas em torno dessa brincadeira de criança: “o Hulk caiu sentado numa churrasqueira em brasa”– qual o nome do filme? A resposta correta é: “Tomates verdes fritos”(kkk) – brincadeiras à parte, trata-se de um excelente drama, dos anos 90, sobre a transformação na vida de uma mulher solitária (a atriz Kathy Bates) a partir da história de vida cheia de mistérios e segredos, contada em “flashback” por uma octogenária (a excelente atriz Jessica Tandy, já falecida) que vive numa casa de repouso.




Mesmo alguns títulos em inglês, como o esquisito “I Know what you did last summer” (baseado num livro homônimo), são uma comédia à parte (apesar de, no caso, tratar-se, na verdade, de um suspense)... e suas duas continuações então, nem se fala: “Eu ainda sei o que vocês fizeram no verão passado” e “Eu sempre vou saber o que vocês fizeram no verão passado”.




Por vezes, o título original em inglês parece estranho à primeira vista, como por exemplo, no filme “What’s eating, Gilbert Grape?”, da década de 90. Ao “pé da letra”, a tradução seria “O que está comendo, Gilbert Grape?”, sem nenhum sentido para o filme, mas na verdade trata-se de uma espécie de expressão idiomática (na verdade uma gíria popular americana) que significaria “O que está havendo, Gilbert Grape?”.

No Brasil, o título mudou para “Gilbert Grape: aprendiz de sonhador” (em Portugal foi mantido o título original) e, neste caso, condiz com a história do filme, de um rapaz, o tal Gilbert Grape do título (papel do ator Johnny Depp), às voltas com seus sonhos – sonhos estes limitados pela sua complicada família, uma mãe com obesidade mórbida e um irmão deficiente mental (o ator Leonardo DiCaprio, ainda bem menino, num papel bastante convincente).




E divertido mesmo são as muitas das versões lusitanas de títulos de filmes que soam extremamente engraçados para nós, brasileiros. Por exemplo, a despretensiosa comédia romântica “Just Married”, que aqui virou “Recém casados”, lá na terrinha recebeu o (para nós, hilário) título de “Casados de fresco”.




E quanto ao premiadíssimo “O touro enraivecido”? Nunca ouviu falar!!! Calma!!! Trata-se nada mais nada menos do título, em Portugal, do famoso e excelente “Raging Bull”, de Martin Scorcese (“Touro Indomável”, no Brasil).




Engraçado também ficou o ótimo “Inglourious Basterds” (“Bastardos Inglórios”, no Brasil), de Quentin Tarantino, pois na língua lusitana virou “Sacanas Sem Lei” e, detalhe, com o estranhíssimo subtítulo “uma infame, desvairada e empolgante jornada de vingança”.




O filme “Ordinary people” ganhou o título, no Brasil, de “Gente como a gente”, mas em Portugal chama-se “Gente vulgar” –  para nós, apesar da palavra “vulgar’ poder até significar “simples, popular”, na verdade soa muito mais como “algo desprezível, baixo, reles”, o que não condiz com o tema do filme, assim o título em Portugal parece equivocado, a não ser que o termo “vulgar” na terrinha tenha um significado diferente do nosso.

Primeiro filme sob a direção do ator galã Robert Redford, “Ordinary people” ganhou o Oscar de melhor filme na época, na década de 80, e conta a comovente história de uma família marcada por um acidente, que vitimou um dos filhos, e um dos irmãos se sente responsável pela tragédia, e têm a mãe como um alicerce para a sustentação emocional da família.




Já no Brasil, a comédia de produção independente que virou um “cultmovie”, de nome “Down by Law”, do aclamado diretor Jim Jarmusch (dos também cultuados “Estranhos no paraíso” e “Sobre café e cigarros”), recebeu o nome “abrasileirado” de “Daunbailó” (nada mais nada menos que a reprodução fonética do título em inglês) – já pensou se a moda pega?

Mas o título esdrúxulo, na versão brasileira, parece, no entanto, combinar com a irreverência do filme, todo em preto e branco, sobre a história de três personagens, dois americanos (na verdade não são atores, são compositores, e as ótimas músicas do filme são deles, Tom Waits e John Lurie) que vivem aquém do sonho americano, e um estrangeiro (o ator italiano Roberto Begnini, o mesmo de “A vida é bela”) que, com apenas um inglês bem básico, bem “chinfrim”, tem grande dificuldade de se expressar na língua inglesa (para isso usa um hilário caderninho de piadas para “se socializar”).

Os três se conhecem quando se vêem condenados a prisão, e têm que se unir para sobreviver, e planejam assim a fuga da cadeia (que, na verdade, nem é mostrada em detalhes). A fotografia do filme (uma Nova Orleans suja, às margens do rio Mississípi, retratada longe do circuito do jazz e do blues, além dos pântanos do estado da Luisiana), embalada pela ótima trilha sonora, é um espetáculo à parte. E o filme tem cenas em longas tomadas (característica do diretor independente Jim Jarmush), para mostrar a decadência e passividade dos seus personagens à margem da sociedade.




E o filme diverte, na maioria das vezes. Durante uma cena em que os detentos começam a gritar nas celas, o italiano Begnini lança mão de seu caderninho e cria, no seu inglês sofrível, um verso com um jogo de palavras (talvez por isso também o título abrasileirado do filme): “I scream, you scream, we all scream for ice cream”, frase esta que passa a ser quase um “hino-desabafo” (na verdade, é o refrão de uma velha música americana, da época das big bands dos anos 30), desarmando as caras amarradas de seus novos amigos americanos da prisão.



E continuando a “zoação” com os irmãos europeus, que sempre rola solta por aqui, como pura provocação entre ex-colonizados e ex-colonizadores: o filme “Titanic”, em Portugal, receberia o título “Vai batere em um pedaço de gelo e afundare”, já “Ghost, do outro lado da vida” seria “O gajo demorou para entendere que já havia morrido”.

E o filme “A Era do Gelo” passaria a ser chamado “No tempo em que era frio prá cacete”. O filme “Treze dias que abalaram o mundo” seria “Faltou pouco para todo mundo ir prá casa do cacete”. O infantil “A Fuga das Galinhas” (“Chicken run”) viraria “As penosas não queriam ir para a panela”. O humorístico “Todo Mundo em Pânico” viraria “Corre todo mundo que vai dar cagada” e “O Exorcista” seria “O gajo manda o capeta para o inferno”, e por aí vai a gozação, kkkk.



E termino o meu texto com um dos esquetes humorísticos, do irreverente e ótimo grupo português chamado “Gato fedorento”, como prova da nossa estreita amizade, apesar da eterna “zoação” com os nossos irmãos da terrinha do outro continente.






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