Em 1972, a Doubleday publicou uma
obra do escritor de ficção científica Philip José Farmer. O livro foi chamado Tarzan Alive: A Definitive Biography de
Lorde Greystoke e explodiu cabeças. A premissa do livro era que o famoso
conto do nobre senhor das selvas de Edgar Rice Burroughs foi baseado em uma
pessoa real. O trabalho de Farmer foi uma análise cuidadosa de todos os livros
de Tarzan, com o suposto objetivo de diferenciar
a realidade da fantasia.
Como trabalho acadêmico que
pretendia ser, o livro de Farmer continha, em forma de anexos, provas
documentais para dar suporte às proposições centrais do autor. As primeiras
páginas do livro publicado trazem uma planilha que remonta a árvore genealógica
de Tarzan que, não só foi um personagem real, como também estava relacionado
com outros personagens famosos "fictícios”: Sherlock Holmes, Professor
Challenger, Doc Savage, Nero Wolfe. Eles eram todos parte dessa ilustre família.
Eram todos reais.
Nas páginas da revista Flash #123, lá de 1961, o Flash da Era
de Prata Barry Allen acidentalmente viajou para a Terra 2 e conheceu o Flash da
Era de Ouro, Jay Garrick. Quando os dois Flash(es) se conheceram, na história
clássica de Gardner Fox e Carmine Infantino, Barry Allen explicou que sabia
tudo sobre a carreira de Jay Garrick como o Flash. Ele sabia sobre a origem de
seus poderes e sobre sua identidade secreta. Barry explicou para Jay: "Você era bem conhecido no meu mundo, como um
personagem fictício que aparece em uma revista chamada Flash Comics! Quando eu
era jovem, você foi meu herói favorito! Um escritor chamado Gardner Fox
escreveu sobre suas aventuras, que, segundo ele, veio a ele em sonhos!". Os
heróis de Barry também eram reais.
E assim nasceu o Multiverso DC.
Dois mundos, Terra Um e Terra Dois, pouco tempo depois se tornaram vários. Novos
heróis, novos mundos, ideias infinitas. História de vários mundos, onde a
ficção é realidade, e histórias em quadrinhos são verdadeiras. Contos onde há
várias camadas de vida, e mundos estão sobre mundos. Como pode o multiverso manter esta quantidade de fatos?
E então vieram as crises. Se o pessoal da DC
Comics é bom em alguma coisa, é colocar para rolar uma crise arrasa-dimensões impressionante.
Mas não parece um pouco estranho que o mesmo planeta Terra esteja sempre no
meio delas? Se o Universo DC realmente está passando por eventos cósmicos a
cada ano, não seria razoável supor que conflitos de grandes escalas também estejam
sendo frustrados em lugares que Superman, Batman, Mulher-Maravilha e toda a
trupe da famosa Liga da Justiça nunca vão descobrir?
Essa é a premissa básica de “The Multiversity” (livremente traduzindo
aqui como “A Multiversidade”), o mais recente projeto de mega-crise escrito por Grant
Morrison que começou a ser publicado em Agosto desse ano. Em vez de opor a Liga
da Justiça de Novos 52 contra mais um desastre de abalar o(s) universo(s) (já
que eles têm seus próprios problemas para resolver), “Multiversity” gira em
torno de um grupo heterogêneo de heróis de Terras paralelas que enfrentam coisas
que os heróis da Terra Um (a principal realidade do Universo DC) nem imaginam
que possam existir. É uma grande oportunidade para mapear corretamente os 52
universos raramente explorados, conhecer personagens obscuros da vasta galeria
da DC, e até mesmo dar umas boas cutucadas na concorrência ao fazer referências
e analogias a personagens e situações icônicas de publicações de editoras como Marvel,
Image, Charlton e tantas outras.
Também existem algumas similaridades
com a série Sete Soldados da Vitória, relançamento de 2006 baseado em
publicações originais de 1941. Cada capítulo vai contar uma história independente
em um universo paralelo, construindo cenas interligadas que descrevem uma
ameaça maior. Mas diferentemente de Sete Soldados, cada edição será definida
em uma dimensão paralela diferente, com foco em diferentes aspectos e gêneros históricos
da DC através do ponto de vista de artistas variados. É uma ótima maneira de
atrair leitores, que podem começar a ler a série a partir de qualquer número,
enquanto ainda premia aqueles que seguem “Multiversity” desde a primeira edição
com grandes plots e muitas referências.
Tendo isso em mente, o que acontece
em The Multiversity #1? Nix Uotan, o último dos monitores, viaja para a Terra 7
apenas para descobrir que lá ocorreu um evento apocalíptico. Seres demoníacos capazes
de viajar entre as dimensões e corromper as almas de heróis devastaram o
planeta, forçando Uotan a trocar de lugar com Thunderer (“Trovejante” em
tradução livre), o último campeão da Terra 7, para salvar sua vida. Em
resposta, Trovejante ativa uma máquina capaz de convocar heróis de todos os 52
universos, formando uma liga interdimensional que talvez (e apenas talvez) possa
salvar o dia.
Contra as forças do mal está uma
mistura bizarra de heróis, liderados pelo presidente Superman da Terra 23 (obviamente
inspirado no popular Barack Obama), um personagem que lembra mais o antigo
Superman do que o atual, o Superman de antes das Crises, antes de Flashpoint,
antes do Novos 52. Ao seu lado, o cartunesco Capitão Cenoura (o Coelhinho da
Páscoa mascarado) e um mix diversificado de heróis estranhamente familiares, e outros
nem tanto.
Se você gosta de caçar referências
obscuras através de cada painel, essa publicação é para você. Existem mensagens
para nós, palavras de outros mundos que falam para mim e para você, enquanto
leitores. Vale lembrar que, no contexto da história, tudo é real.
Tarzan está vivo. Barry Allen,
também.
Por Vinícius Moizinho