Na França, em pleno festival de cinema que acontecia em Cannes, na famosa Côte D’Azur, no sul do país, me deparo por acaso, já em Paris, com uma exposição da Gaumont, em comemoração aos 120 anos da famosa companhia francesa, produtora de diversos filmes de sucesso dentro e fora do território francês.
Infelizmente, muito raramente somos agraciados com
filmes franceses aqui no Brasil, pois estes são muito mal divulgados e
pouco distribuídos por aqui (na verdade, o cinema europeu como um todo). E muitos dos famosos filmes norte-americanos que conhecemos são, na verdade, “remakes” de filmes europeus.
Por exemplo, a história original da famosa “The woman in red”, dos anos 80 (“A dama de vermelho”, no Brasil) foi inicialmente produzida pela Gaumont, e foi lançada dez anos antes, na França, com o nome “Un éléphant ça trompe énormément” (no Brasil, “O doce perfume do adultério”), mas mal divulgada não teve o mesmo sucesso por aqui, em comparação com o remake estadunidense.
Por exemplo, a história original da famosa “The woman in red”, dos anos 80 (“A dama de vermelho”, no Brasil) foi inicialmente produzida pela Gaumont, e foi lançada dez anos antes, na França, com o nome “Un éléphant ça trompe énormément” (no Brasil, “O doce perfume do adultério”), mas mal divulgada não teve o mesmo sucesso por aqui, em comparação com o remake estadunidense.
Na verdade, o filme presta uma homenagem à “dama de branco” Marilyn Monroe, na sua famosa cena icônica na grade de ventilação do metrô, em “O pecado mora ao lado” (“The seven years itch”), dos anos 50.
Também da Gaumont, o filme francês “Cousin, Cousine”
(dos anos 70) ganhou uma versão inglesa nos anos 80-90, que ficou famosa no Brasil, com o título “Um toque
de infidelidade” (“Cousins”) e protagonizada por Isabella
Rosselini e Ted Danson.
Em tempo: Isabela Rosselini é a filha do falecido diretor
italiano Roberto Rosselini e da grande homenageada na Riviera Francesa este ano, a sueca Ingrid Bergman (a bela atriz de “Casablanca” estaria fazendo
cem anos se estivesse viva) com sua linda imagem em preto e branco estampada no cartaz do 68° festival de Cannes.
Como “Joan of Arc” ou ao som de “As time goes by” em Casablanca, ambos dos anos 40, além de tantos outros filmes, não importa, “we’ll always have Paris” com a eterna Ingrid Bergman.
Como “Joan of Arc” ou ao som de “As time goes by” em Casablanca, ambos dos anos 40, além de tantos outros filmes, não importa, “we’ll always have Paris” com a eterna Ingrid Bergman.
Não é de hoje que Hollywood faz “remakes”
de filmes europeus. E é sempre muito interessante a abordagem de um mesmo filme
pelo cinema americano e pelo europeu.
O interessante é que um mesmo tema, na
visão do cinema europeu, pode ser abordado de maneira muito mais intimista,
muito mais existencialista (provocando reflexões próprias em cada espectador),
enquanto o cinema norte-americano investe mais na ação e nos efeitos visuais,
abordando muito de longe os sentimentos e as emoções (quando o fazem, muitas
vezes, soa de maneira quase apelativa, visando arrancar “lágrimas até de
crocodilo”). Óbvio, isso não é uma regra, existem muitas
exceções, afinal a indústria cinematográfica estadunidense tem
uma produção imensa.
As películas europeias têm, em geral,
tomadas longas, cercadas de sutilezas (pessoas com pouca sensibilidade costumam
achar esses filmes chatos e maçantes), dando tempo ao espectador para que ele pense
(e repense) no que está a assistir, e assim tire suas próprias conclusões (e
isso é fundamental, principalmente nos dias de hoje, quando se trata de temas
polêmicos, sejam eles socioculturais, sexuais ou religiosos).
Já as versões americanas, sempre mais
explícitas e rápidas, dão o desfecho final que convém ao diretor (e ao estúdio
em si), sem dar ao espectador tempo para assimilar sua própria opinião sobre o
tema abordado (para quem não tem muita “massa cinzenta” para gastar é um
“prato cheio”, muita ação ou melação, e pouco conteúdo).
Talvez o filme mais emblemático, que melhor mostra isso, na minha opinião, é o do diretor alemão Win Wenders (dos também excelentes “Paris, Texas” e “Buena Vista Social Club”) intitulado “O céu sobre Berlim” (no Brasil, “Asas do desejo”), da década de 80, que ganhou uma continuação (no Brasil, “Tão perto e tão longe”) do mesmo diretor e um remake norte-americano melodramático (intitulado “Cidade dos anjos”) no final da década de 90.
No primeiro original alemão, anjos velam pelas almas perdidas, levando lampejos de esperança, numa Berlim gélida e totalmente devastada pelos efeitos do Holocausto e ainda sob o Muro de Berlim, e um deles quer adquirir a forma humana para viver (e sentir de verdade) a paixão por uma mortal trapezista.
O mundo eterno dos anjos é sombrio e em preto e branco (pois a ausência de cores revelaria, segundo o diretor, a essência da alma) e o mundo mortal ganha cores, na visão de Wenders. “Asas do desejo” é um filme poético, encantador, repleto de dor e angústia tanto dos humanos quanto dos anjos, que vai desenrolando lânguido e profundo, num ritmo lento, cadenciado e embalado pela poesia do alemão Rainer Maria Rilke, o grande “poeta dos anjos”, além da poesia recorrente no filme “Song of Childhood” do escritor alemão Peter Handke, que assina grande parte do roteiro,
A continuação alemã (em inglês, “Far away, so close”) conta com a participação do músico norte-americano Lou Reed (que faleceu há pouco tempo) no papel dele mesmo (que assina grande parte da trilha sonora do filme). Nem mesmo “os anjos” resistem ao bom e velho “rock and roll”.
O diretor mantém o ator americano Peter Falk (da famosa série policial “Columbo”, dos anos 70), também como ele mesmo (como no primeiro filme), e como novidade tem também a bela atriz Natasha Kinski no papel principal feminino nesta continuação, e a música “Stay: far away, so close”, do U2, foi a que mais ficou conhecida no filme.
Já na versão melodramática norte-americana (“City of Angels”), que investe mais no romance “água com açúcar” e na trilha sonora, é o “anjo” Nicholas Cage que quer perder sua condição de imortalidade para sentir as dores e as alegrias humanas, ao lado da “cirurgiã” Meg Ryan, ao som de “Iris” de Go go Dolls, “If God will send his angels” do U2, “Uninvited” de Alanis Morissete, entre outras belas músicas.
Os questionamentos sobre essa “onda de
remakes” são inúmeros. Faltam inspiração e criatividade em Hollywood? Muitos
alegam “necessidade de renovação”, aproveitando os novos avanços tecnológicos, “porque
as novas gerações não estariam dispostas a assistir filmes antigos” (com poucos
recursos em matéria de efeitos especiais, etc).
Pode ser, mas no caso dos filmes da
trilogia “Millenium” (baseada no livro do jornalista e escritor sueco Stieg
Larsson, que escreveu uma saga sobre violência sexual contra mulheres, em três
volumes), a película original intitulada “Os homens que não amavam as
mulheres”, de nacionalidade sueca, foi filmada em 2009, e apesar
do sucesso internacional de crítica e de público, logo a seguir
(apenas dois anos depois) temos o mesmo filme agora na versão inglesa, intitulado “The Girl with
the Dragon Tatoo”.
O que eu posso concluir disso é que, apesar
de todo o sucesso internacional do filme sueco, o espectador americano deve ter
um QI médio “prá lá de rasante” e não consegue assimilar imagem e legenda ao
mesmo tempo (eles mal sabem soletrar uma palavra no seu próprio idioma), ou
seja, o “Tico-Teco” do espectador estadunidense não funciona, daí a necessidade
do filme na sua língua pátria (ai, que maldade a minha).
Aqui cabe a velha charada: qual o nome que
se dá àquele que domina vários idiomas? Poliglota. E dois idiomas? Bilíngue.
E o que só domina um idioma? A resposta certa é... Norte-americano (ai, de novo, que
maldade!! E meus amigos americanos vão me trucidar, rsrsrs.).
O autor da tal trilogia partiu de uma
história real, o estupro coletivo de uma jovem que ele presenciou quando
tinha 15 anos de idade, e o livro foi uma espécie de redenção (e homenagem
à menina) pois ele se arrependia amargamente por não ter tido coragem de ajudar
a jovem, que se chamava Lisbeth, nome que manteve na ficção (cercada de
mistério, dramaticidade e violência, e não poupou nas denúncias de misoginia, incesto
e abuso sexual contra mulheres).
A dura missão de adaptar o
então famoso filme sueco ficou a cargo do cineasta David Fincher
(também diretor dos premiados “O curioso caso de Benjamin Burton”, “A
rede social”, “Clube da luta” e “Seven”). Fincher não fez feio, apenas usou
uma visão, digamos, mais requintada (o que a grana não faz por um filme!!!) e
apelou para a fama do Daniel “James Bond” Craig no papel principal, apostando
também numa abertura bem “hollywoodiana”, repleta de efeitos especiais, com a
famosa música “Immigrant song” do Led Zepellin.
Eu, particularmente, prefiro o filme original sueco, mais misterioso e mais profundo, com uma aura de mistério num cenário gélido e mais sombrio que a versão americana (quando foi lançada, eu já tinha visto a versão sueca, e a escolha do Daniel Craig não me deixou desvencilhar do personagem do agente 007).
Gostei mais da atuação dos (praticamente) desconhecidos atores suecos (e quando a versão americana foi lançada, o mistério já não existia para mim, não li o livro, mas quem leu, garante fidelidade ao texto) e também porque as sequência Millenium II (“A menina que brincava com fogo”)...
...e Millenium III (“A rainha do castelo de ar”) ainda só existem na versão européia, e tão misterioso e emocionante quanto o primeiro, só dá para acompanhar o suspense, conhecendo-se os atores que interpretaram os papéis no Millenium I sueco.
Outro recente sucesso sueco, o filme sobre vampiros filmado em 2008, “Deixa ela entrar”, também ganhou logo a seguir uma versão americana, em 2010. O filme sueco usa a história de jovens vampiros como pano de fundo para mostrar o drama de dois pré-adolescentes desajustados socialmente, com uma visão sombria e bem mais “dark” (por focar muito mais o “bullying” social, que aprisiona e isola os personagens com seus traumas, do que o vampirismo em si).
Já na versão estadunidense, “Deixe-me entrar” (“Let me in”), a mesma história soa mais como um filme de gênero voltado para o terror vampiresco, privilegiando o horror explícito, intercalando com um toque romanesco do jovem casal (é quase um “Crepúsculo” pré-adolescente), e como sempre investindo em muitos efeitos especiais, de maquiagem principalmente.
O espanhol “Abre los ojos”, do diretor
Alejandro Amenábar, de 1997 (no Brasil, “Preso na escuridão”) foi adaptado para
o idioma inglês como “Vanilla Sky” (em 2001) e dirigido por Cameron Crowe (de
“Quase famosos”, “Elizabethtown” e “Jerry Maguire”) que manteve Penélope Cruz
do elenco original, mas incluiu Tom Cruise e Cameron Diaz, no papel dos outros
dois principais protagonistas.
A história é a mesma, mas no filme espanhol a interpretação final que se tem soa mais como uma loucura do personagem principal; já no filme estadunidense foca mais como se fosse uma conspiração, em torno de uma ficção científica. Mas, na verdade, nos dois, cabem várias interpretações, e essa é a grande jogada dessa história, dá prá ficar horas discutindo sobre ela (sobre realidade e fantasia, vida e morte, sonho e pesadelo, lucidez e loucura).
Recentemente teve uma onda hollywoodiana de remakes de filmes do gênero terror – originalmente de nacionalidade japonesa, tanto “O grito” (da série japonesa “Ju-On”), como também “O chamado” (original “Ringu”) e também o filme “Água negra”, todos eles foram adaptados para o cinema americano (o último sob a direção do nosso Walter Salles com a Jennifer Connely como protagonista).
“Quarentena” de 2009 é um remake de um filme de terror espanhol intitulado “REC”, de 2007 (que ganhou duas continuações e virou videogame, e foi sucesso de público e de crítica, o que não aconteceu com a versão americana). E a lista de remakes europeus não pára: o russo “Solaris”, o francês “A gaiola das loucas”, também “Nikita” de Luc Besson (“The assassin”, na versão americana, com Bridget Fonda e Gabriel Byrne) entre os mais populares.
O que posso concluir
no final é que, apesar de não ser uma regra, o cinema estadunidense, em geral,
é mais despretensioso, e os diretores atendem aos apelos dos estúdios (em
matéria de “blockbusters hollywoodianos”) e do espectador
americano (trilha sonora e muitos efeitos especiais, mas pouca
reflexão) enquanto o europeu investe em cenas repletas de nuances e
sutilezas que acabam surtindo, para mim, mais efeito do que as cenas explícitas
do cinema americano. Mas... tudo é cinema, e se for de qualidade, é isso que importa.
Postado por *Rosemery Nunes ("Adorável anarquista")
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