Felicidade: "você tem o poder de mudar o mundo"






Como sempre, tento ficar à margem da política, mas não adianta, tenho que me pronunciar diante de opiniões que discordo ou no mínimo no que eu pense diferente. “Cogito ergo sum” (“Penso logo existo”). E democracia é isso, discutir (no bom sentido, óbvio) exaustivamente até alcançar uma maioria de 51% (a favor ou contra).

E como “adorável anarquista”, não poderia ser diferente. Já como cinéfila, a sétima arte é a companhia ideal como ilustração para essas minhas reflexões “algo filosóficas” (e espero sinceramente que um dia deixem de ser devaneios tão utópicos).

Antes de me embrenhar pelo tema que me propus enveredar e me fazer ser compreendida (antes que eu seja “apedrejada em praça pública”), insisto na minha filosofia anarquista (que nada tem a ver com o termo pejorativo “baderna”) pois, segundo o anarquismo puro, não haveria necessidade de leis (e a ordem continuaria intacta) se se houvesse apreço pelo próximo, mas como bem disse o escritor francês André Malraux: “o único anarquista que teve êxito foi Jesus Cristo”(e foi vilipendiado como herege e louco, e seu fim todos sabemos). Daí a utopia...

Chego a gargalhar diante das “profecias apocalípticas” que aparecem de tempos em tempos, governo após governo (seja do âmbito federal, estadual ou municipal), advindas em geral de ressentidos pela pouca aceitação quanto ao resultado do processo eleitoral democrático (sempre houve isso, sempre acham que “as urnas foram fraudadas”, mas agora a coisa está mais gritante, e a desculpa destes ressentidos agora é a corrupção, que na verdade sempre existiu, tanto e quanto).

A mesma corrupção que foi desmascarada na era Collor (que levou o povo às ruas), voltou à toda na era FHC, mas foi literalmente varrida para debaixo dos tapetes palacianos pelo “Engavetador Geral da República” da época e guardada a sete chaves pela grande mídia partidária (por isso não havia mais “caras-pintadas” nas ruas para exigir punição à corrupção, e o povo inocentemente dormia em “berço esplêndido”).

E a corrupção se estendeu pela era Lula, e só agora, na era Dilma, o povo voltou à carga, e está de novo nas ruas exigindo a tão famigerada punição (“Thank God”). Estaria tudo perfeito, “às mil maravilhas”, não fosse a deturpação da mesma grande mídia que continua manipulando a população ao seu bel prazer (é o “fenômeno Kuleshov” que citei no texto anterior).

Nas ruas, e por todos os cantos do país, disseminados por políticos descontentes com o “status quo” vigente (e ameaçando o processo democrático que conseguimos a duras penas depois de vinte anos) e incentivados por jornalistas que escrevem para “leitores idiotas” (tanto da direita quanto da esquerda), mas “ainda assim idiotas”(a escritora e filósofa gaúcha Márcia Tiburi que o diga, veja adiante), cidadãos comuns repetem feito papagaios (e repassam a frente) sempre os mesmos velhos e arcaicos discursos (apocalípticos), no velho estilo “quanto pior, melhor”.

São esses alguns dos discursos: “hoje estamos diante de um Brasil próximo a bancarrota”, ou então “hoje a melhor saída para o Brasil é o aeroporto”, ou “o Brasil é o pior país para se viver nos dias de hoje”, ou “o Brasil é hoje um grande lugar para você desperdiçar a sua vida” e por aí vai o mau agouro.

Em relação à palavra “hoje”, o mesmo discurso podia ser lido na era Sarney, mas também na era Collor, ou na era FHC ou então na era Lula, e óbvio, não poderia ser diferente agora na era Dilma. Essas mesmas “profecias” só não existiam na era da ditadura militar, porque no lugar do discurso havia receitas de bolo como “notícia de primeira mão”.

Porque, enquanto nos porões da ditadura, pais de família, jornalistas, educadores e cidadãos comuns (cujo único “crime” era ser contrário ao regime vigente) eram torturados e mortos ou então trancafiados como presos políticos (e que hoje, equivocadamente, são marginalizados como “guerrilheiros impiedosos do mal”), literalmente uma receita de um bolo “confeitado” (na melhor denúncia jornalística, provando que havia sim uma censura velada, escondida “debaixo dos confeitos”) era a “manchete do dia” nos jornais da época (e ainda ousam dizer que “bons tempos eram os da ditadura”).

Se hoje temos um Brasil democrático que vai a rua xingar a atual presidenta (o neologismo no gênero feminino me faz sentir mais orgulho ao ver enfim uma mulher numa posição importante) devemos agradecer a esses “guerrilheiros do mal” (na verdade, corajosos patriotas), pois muitos deles entregaram suas vidas para hoje podermos gozar desta liberdade.

Democracia esta que, contraditoriamente, muitos foram às ruas pedir “a volta dos militares ao poder”. Diante disso, só me resta implorar: “Pai, perdoe, eles não sabem o que dizem”. Márcia Tiburi em seu texto (ver adiante) vai mais longe, e como diz a escritora e filósofa, trata-se de um dos subtipos do “idiota de raiz” , vulgo “ o burro mesmo” (uahuahuah).

Tudo isso faz lembrar-me do vídeo “Sunscreem” com suas frases etéreas: “você vai envelhecer e vai fantasiar que, quando era jovem, os preços eram acessíveis, os políticos eram nobres de alma”, e por aí vai, no melhor (ou pior) estilo “no meu tempo...”. Tais frases feitas e tais discursos só garantem uma coisa: você está velho (e acabado) e só isso. 



Em tempo: as mesmas pessoas que chamam de guerrilheiros do mal os presos políticos (da era da ditadura militar) que, patrioticamente, empunharam armas para combater um regime violento e autoritário (por acaso de direita), essas mesmas pessoas são a favor do porte de armas para civis, alegando que numa tomada de poder por uma ditadura de esquerda estariam equipados para empunhar armas contra (é o subtipo maniqueísta neo-idiota” do texto da Márcia Tiburi) .

Fica então a pergunta que não quer calar: eles seriam “heróis defensores da pátria amada” só porque também patrioticamente se armariam contra uma violência ditatorial (por acaso agora de esquerda)? Ou será que, no futuro, vão aceitar ser chamados também de “guerrilheiros impiedosos”?

Acho graça também quando me mandam mensagens com palavras de ordem do tipo “bandeira vermelha não, somos verde e amarelo” (calma, não me crucifiquem, não sou Cristo, muito menos Judas, explico adiante). Ou então, como agora que a nova onda é “estão querendo dividir o país ao meio”(“what”??? Como assim??). Ou então que “estão disseminando ódio, rancor e separação entre os brasileiros” e por aí vai... 

“Zilhões e mais zilhões” de bobagens no meu entender de “eterna jovem e adorável anarquista” (no sentido de me manter sempre contestadora e aberta a discussões filosóficas, ainda que muitas delas infelizmente ainda utópicas). Se bem que, para alguns, eu vivo de ilusões... (uahuahuah). “Sorry”, mas é que, às vezes, discutir política me diverte demais, ainda mais quando topamos com um “idiota cool”...(de novo, Márcia Tiburi, link** no final do texto).

Em tempo: ganhei o apelido de “adorável anarquista” por conta de ser considerada adorável pelos amigos e assim acrescentaram o adjetivo (adorável) para me protegerem, para eu não ser crucificada como “baderneira” com piadinhas sutis, como é comum quando estou diante de mais um dos subtipos de idiotas (referidos pela filósofa gaúcha), no caso “o ignorante orgulhoso”.

Achei hilário também quando me criticaram por não ter lido o livro “Cinquenta tons de cinza” (leia-se “tons de bobagens e baixarias explícitas e mal escritas”). Leio o que é relevante para a minha vida como cidadã (do mundo, diga-se de passagem) e como mulher culta e antenada com o mundo ao meu redor. É óbvio que leio coisas irrelevantes, inclusive romances, eróticos ou não, e também leituras engraçadas (gosto mais do humor sutil), mas me dou ao luxo de exigir que, no mínimo, sejam bem escritas (o que não é o caso dos tais “cinquenta tons”).

Assim, depois de leituras realmente relevantes como as do astrônomo Carl Sagan, em “Bilhões e bilhões”, sobre como somos ínfimos, irrelevantes, apenas “um pálido ponto azul” num imenso universo cósmico (e que, visto de longe, nossa obsessão por vaidades nacionalistas é também insignificante) e que ninguém virá nos socorrer, a não ser nós mesmos (e mesmo assim continuamos predadores de nós mesmos)...

... e depois de assistir filmes e documentários reveladores e edificantes, tais como “Into the wild” (quando o rapaz deixa escrito que “a felicidade só é plena se compartilhada”), “The Corporation” (sobre consumismo consciente), “Story of stuffs” (“História das coisas”) e também “I am” (“você tem o poder de mudar o mundo”)... realmente cheguei a conclusão de que “alguém tem que começar a fazer algo urgentemente”...

E conheço quase todo o Brasil e também muito do exterior para ter embasamento nestas minhas divagações. Óbvio que vou a lugares turísticos (apesar de, de vez em quando, alguns mal-humorados com minhas polêmicas, me “convidarem a sair do país e ir lutar nas FARCs”, uahuahuah, só gargalhando) mas nunca me limito aos “pontos turísticos” que, em geral, estão sempre camuflados e maquiados “prá ingres ver” (qualquer que seja o país, do primeiro ao terceiro mundo).

Ou seja, todos os países, sem exceção, têm suas qualidades e seus problemas, e fico fula da vida quando alguém vem com o velho discurso “lá nos EUA é diferente, a coisa funciona...”. Bulshit!!! Pode funcionar bem em algumas coisas mas em outras no Brasil é melhor, e vice versa (e isso vale para qualquer país em qualquer lugar do mundo).

O Brasil sempre esteve dividido ao meio, em dois Brasis, a diferença é que hoje um lado está apenas querendo pertencer ao outro Brasil (mas este outro Brasil não está lá muito satisfeito com isso). E isso não é só no Brasil, os novos “black blocks” (que, equivocadamente, são confundidos com anarquistas) surgiram em Seattle e em Londres, na virada do século, num incontestável protesto contra o “status quo” do capitalismo selvagem.

Ou seja, o mundo inteiro sempre esteve dividido entre pobres e ricos, brancos e negros, norte e sul, e por aí vai... a diferença é que, no Brasil, esse processo de conscientização apenas está surgindo agora, tardiamente (principalmente por parte dos menos favorecidos, para desespero dos abastados) diferente do que já vem acontecendo lá fora (o filme “The help”, no Brasil “Histórias cruzadas”, sobre a relação de servidão do negro pobre para com o branco rico americano, é a mesma “história cruzada” do Brasil, da África e por aí vai...).



What? Como é que é?? Estão querendo dividir o país ao meio??? Mas... para quem não sabe, o país sempre esteve dividido, o que acontece é que só agora a “senzala tomou consciência disso” e  a “casa grande” não gostou nada nada deste fato novo.

Ou seja, no passado, na época da colonização, os dois Brasis (o da casa grande e da senzala) literalmente já existiam, e nos últimos séculos continuaram a existir, metaforicamente falando. E continua assim, só não enxerga isso quem nasceu em berço de ouro e quer manter “o status quo” de ter serviçais eternamente ao seu bel prazer.

O mais novo discurso dos abastados é: “antes de ter cartão de crédito e fazer prestações de supérfluos em 10 x sem juros (leia-se TVs, máquinas fotográficas, etc), pobre tem que ter educação e saúde”... dam... me conta uma novidade... pois lá se vai meio século da ditadura e nada de saúde e educação de qualidades, nem antes nem durante nem depois da ditadura.

Ora, o povo humilde brasileiro nunca teve saúde nem educação de qualidades, e o que ele vê a sua volta é apenas o consumismo desenfreado, e ele quer fazer parte disso. Nada mais justo.

Ou seja, discute-se, no mundo inteiro, a surda e contida guerra do rico contra o pobre e a polêmica entre consumo e felicidade. A letra da música de Eddie Vedder (do Pearl Jam) intitulada “Society” escancara isso e a bela melodia está presente no  filme “Into the wild” (“Na natureza selvagem”) e no documentário “I am” (que vão ilustrar esse tema intrigante e instigante que eu me propus a me enveredar). 



O filme Into the wild (Na natureza selvagem) conta a história verídica de um rapaz de vinte e poucos anos, que nos anos 90 decidiu abandonar os estudos e viajar até o Alasca; fascinado pela natureza e cheio de ideias na cabeça, ele resolve ir ao encontro do seu eu , se livrando de posses materiais, seguindo os passos de outros idealistas e/ou aventureiros (seus livros de cabeceira eram os do pacifista e simpatizante do anarquismo e autor de Guerra e paz o russo Tolstói e também o autor de Caninos brancos, o aventureiro Jack London).

Quando ele se vê sozinho, diante da beleza e vastidão daquela natureza selvagem, com suas impressionantes paisagens (ora áridas e desérticas, ora exuberante em sua imensidão e seus habitantes selvagens) ele se rende, e compreende o grande ensinamento da vida, quando deixa registrado entre os parágrafos dos seus livros de cabeceira: a felicidade só é plena, se for compartilhada”.


Um dos meus filhos, na era FHC, era um pré-adolescente e, na época, me vendo indignada diante da corrupção sendo varrida para debaixo do tapete (e o povo calado “dormindo em berço esplêndido” porque a mídia partidária emudeceu), tentava, na sua ingenuidade ainda de menino, me acalentar: “mãe, não fica triste não, brasileiro é assim mesmo, todos já nascem corruptos”.

E hoje, indignado com a corrupção novamente deslavada (que, do mesmo jeito, a mídia partidária, no melhor do “efeito Kuleshov”, manipula o povo ao seu bel prazer), meu filho já adulto pergunta para mim, inquisidor, o que fazer então se a corrupção está na mídia jornalística partidária, no sistema judiciário segregador, nos políticos com contas em paraísos fiscais (tanto os de direita quanto os de esquerda), na classe alta que sonega, na classe média que burla o fisco, na classe baixa que se utiliza das benesses sociais para parasitar, e por aí vai...

A corrupção não é “um fenômeno nacional” como, equivocadamente, disse meu filho então pré-adolescente (apenas repetia o que cresceu ouvindo ao seu redor). A corrupção é um fenômeno mundial, a única diferença é que, em alguns países, parte dela foi minimizada com punição efetiva (eu disse parte dela, porque não existe país isento de corrupção, tanto que existe um ranking do menos ao mais corrupto, no máximo há uma pontuação mais baixa para os governos mais transparentes e para o nível de punições de corruptos).

Mas, afinal, qual a resposta para a pergunta inquisidora do meu filho? Quem é que pode começar a fazer algo urgentemente?? Talvez parte da resposta esteja no documentário “I am”, cujo título do mesmo é a resposta para duas perguntas cruciais: “O que está errado no mundo?” E a resposta seria: “Sou eu” (façamos todos a “mea culpa”, sem exceção).

E a resposta para, quem sabe, a próxima pergunta (caso o ser humano queira sobreviver a si mesmo, como afirmou o astrônomo Carl Sagan, olhando de longe o nosso “pálido ponto azul”) num futuro não muito distante (espero eu): “O que está certo no mundo?” E de novo a resposta seria a mesma: “I am”.

Fazemos parte de um todo, precisamos olhar a natureza como nossa família, precisamos enxergar toda a humanidade como nossa família, e não como uma bandeira brasileira verde amarela, ou a bandeira vermelha chinesa, ou a azul vermelha e branca francesa, somos todos seres humanos com línguas e costumes diferentes, mas todos seres humanos com os mesmos corações solidários (em sua grande maioria).

E só pensando assim é que podemos mudar esse mundo cruel que nos coloca como predadores, mas que na verdade temos o ímpeto da cooperação e da democracia. Só precisamos aprimorar isso, cada um fazendo seu próprio exame de consciência, assumindo sua “mea culpa”.

Sempre comentam comigo que tenho “mania de dar tudo” o que é meu, mas é que acho que todos deveriam ter acesso a tudo aquilo que eu considero vital e prazeroso, e assim quero sempre compartilhar com o meu próximo (e não necessariamente tem que ser um parente) e é o que o protagonista de “Into the wild” chega a essa conclusão, quando sozinho, no fim da jornada dele, diante da beleza infinita da natureza (“a felicidade só é plena se for compartilhada”).

Eu nasci em razoável “berço de ouro” e nunca passei por nenhum trauma extremo (como muitos, como o cineasta de “I am”), mas consigo enxergar isso nitidamente (talvez porque a medicina tenha me colocado em contato frequente com os descamisados) e luto contra isso porque me ponho no lugar de quem não teve a mesma sorte que eu, pois “não é preciso leis para haver ordem, basta se colocar no lugar do outro”, esse é o ensinamento do puro anarquismo (que muitos desconhecem por conta da deturpação da mídia e muitos repetem como papagaios, são desordeiros”, sem nenhum conhecimento de causa) e das tais “regras de ouro e de prata” (do “jogo da vida”, vide texto anterior).

Para quem nasceu em berço de ouro é muito fácil “vomitar” que pobre é “malandro e parasita e não gosta de trabalhar”, e não entende que é preciso antes dar o peixe a quem morre de fome, e depois é preciso dar a oportunidade (vital ter “um rio” por perto) para se aprender a pescar, mas os nascidos em berço de ouro mal conseguem ceder sequer a vara de pescar, quanto mais dar o peixe e a oportunidade para tal intento.

O mais incrível é que muitos dos profissionais liberais (que conheço e que reclamam da corrupção dos políticos) compram e/ou vendem atestados médicos, odontológicos, fisioterápicos, ou seja, fazem de tudo para burlar o fisco, e quando são questionados quanto a isso se desculpam alegando que “estão sendo roubados pelo governo”.

Um erro justifica o outro? Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão?? E isso já é assim no mínimo há três décadas, pois desde que me formei tentam me fazer entrar neste joguinho sórdido (no caso, estou livre dessa “mea culpa”). Que moral tem um povo cuja única lei que conhece é a do Gérson (“o importante é levar vantagem em tudo”)? Tudo tem dois pesos e duas medidas? O que vale para uns não vale para outros??

Dar bolsa família, acesso a faculdade através de cotas, e outras benesses sociais (para os que, como nós, não nasceram em berço de ouro) é ofertar o peixe e a oportunidade de se chegar ao rio, e só assim com o aprendizado de como usar a vara é que saberemos se se é capaz de pescar o seu próprio peixe. E só assim é que teremos certeza se é malandragem ou se a fome e a falta de oportunidade é que deixam o pobre sempre pobre.

O documentário “Ilha das Flores”, curta-metragem de Jorge Furtado, gravado na década de 80/90, mostra catadores de lixo que sobreviviam do alimento que os donos dos porcos rejeitavam para alimentar seus animais, ou seja, na “Ilha das Flores” o ser humano estaria abaixo dos porcos na prioridade da escolha de alimentos, uma degradação extrema da dignidade humana.

O curta-metragem “Ilha das Flores” ainda continua atual nos dias de hoje, pois mostra uma realidade no sul do Brasil (que existia desde o período da ditadura militar, e só foi desfeito o tal lixão depois do documentário denunciatório) que reflete o que acontece em várias outras regiões (se no sul é assim, imagina no nordeste) do nosso e de tantos outros países, onde a desigualdade social e a ausência de um mínimo de dignidade humana é o cerne da questão liberal capitalista.

E eis a frase emblemática do documentário, para reflexão de todos:  “o ser humano é um bípede que possui telencéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor, e que deveria saber o verdadeiro significado da palavra liberdade, uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”.



Porque o que vemos é que a maioria dos filhos (e netos e bisnetos) das nossas empregadas domésticas, dos nossos porteiros, dos nossos faxineiros, continuam tendo a mesma sina dos avós. Será que são todos malandros e parasitas como canso de ouvir os senhores das casas grandes vomitarem tão senhores de si e tão donos da verdade? Será que... Façamos um exame de consciência. O Brasil sempre esteve dividido em “casa grande e senzala”, se não mais literalmente, mas ainda metaforicamente falando, essa é “a verdade que não quer calar”.

Os estudiosos comentam, no documentário “I am”, sobre os famosos “dragões chamados economia e mercado” (numa alusão de que dragões são seres imaginários, simplesmente não existem” , mas não ouse dizer isso a um dos subtipos da idiotia, os “representantes do conhecimento paranóico”, porque eles surtam) e mostram como esses “monstros” passaram a ser considerados “a coisa mais importante das nossas vidas”, e que dependemos deles para enfim, equivocadamente, nos considerarmos “cidadãos felizes”.

Os cientistas provam que na natureza nada fica com algo além do que necessita (“o leão não mata mais de uma gazela, só a que precisa para se alimentar”). Mas o homem viola diariamente essa regra da natureza, não se contenta só com o necessário. Nos fizeram acreditar que a felicidade está nas coisas materiais, por isso ter mais (e cada vez mais e mais e mais) significaria mais e mais felicidade. Bush incentivou o povo americano, desolado diante da tragédia do World Trade Center: “vão para a rua e consumam”. Literalmente Bush é “bulshit”.

E os estudiosos reafirmam: “temos um termo na medicina para quando algo no nosso corpo obtém mais do que necessita – é o que chamamos de câncer”.



A verdade é que tudo que fazemos na natureza (para o bem ou para o mal) de alguma forma nos atingirá lá na frente, é o chamado “efeito borboleta”: “o simples bater de asas de uma borboleta de um lado do planeta pode provocar um ciclone no outro lado extremo”.

Assim a fome, a miséria, a falta de cuidados de higiene e de conhecimentos médico-científicos lá do outro lado do mundo trouxeram para cá, no passado, junto com os navios negreiros, a peste, a tuberculose, depois veio a AIDS, agora o ebola, e vamos esperar por mais alguma praga no decorrer de mais um século?

Ou seja, se tudo que acontece no mundo nos afeta, sabendo ou não, querendo ou não, a fome, guerras, doenças, então não seria muito melhor se cada um fizesse um pouco pelo seu próximo? No mínimo, a resposta para si mesmo seria de contentamento e de altruísmo. Imagina se todos contentes agíssemos juntos, todos em harmonia...

O documentário “Story of Stuff” (“História das coisas”) mostra como colaboramos para destruir gradativamente o nosso planeta, desde a exploração desenfreada dos recursos naturais, passando pela manufaturação dos produtos, a compra e o posterior descarte até a chegada ao lixão.



Gandhi dizia “seja você a mudança que você quer ver no mundo” pois “o mar são gotas que se uniram”, ou seja, se cada um depositar uma gotinha sequer teremos um mar inteiro no final.

Acho interessante como as pessoas demoram a descobrir isso, mas enfim um dia acontece, como prova o documentário “I am” (com o subtítulo “você tem o poder de mudar o mundo”), onde cientistas, escritores, poetas e líderes religiosos, todos eles concordam que a natureza não é predatória e o ser humano também não.

Os animais caçam quando estão famintos e ao contrário na maior parte das vezes eles são solidários entre eles. São inclusive cooperativos e extremamente democráticos entre eles. E o homem também assim o é. Apenas se esqueceu disso.

Foi assim que deixei de ser necessariamente “verde e amarela” e me considero hoje uma cidadã do mundo (apenas guardo um carinho especial pelo meu querido Brasil, mas o conceito de “pátria minha e só minha” já não carrego mais) e hoje procuro me adaptar ao mundo capitalista consumista da maneira mais consciente possível em relação a possuir apenas o necessário para ter uma vida digna. E dou o peixe e a oportunidade para pescar a quem quer que cruze o meu caminho. E só depois dou a vara de pescar e o deixo seguir seu destino.

Revelador e provocante, o documentário “The corporation” mostra como, sem percebermos, somos dominados e “engolidos” pelas grandes corporações (como a Coca-cola, o Mac Donald's e as famosas marcas de vestimentas), e como o poder, o dinheiro e o lucro a qualquer preço podem romper a tênue barreira da dignidade e do altruísmo do ser humano. É claro que deixar de consumir num mundo globalizado é quase impossível, mas o documentário consegue convocar o público a adotar o tal do consumismo consciente.



Confesso que é muito difícil porque há um apelo consumista ao nosso redor (inclusive filhos influenciados por outrem), hoje tenho uma única propriedade onde resido com mínima quantidade de cômodos necessários para o conforto de minha família, tento ter apenas um único tipo de eletrodoméstico necessário para um mínimo conforto, mas ainda preservo dois aparelhos de TV (já tive mais de quatro) por conta de ser cinéfila, para acesso a Sky, a Netflix e para o videogame dos meus filhotes.

Continuo minha “mea culpa”: em relação a ar condicionado continuo sem conseguir reduzir o número de aparelhos (um em cada cômodo) porque o calor no Rio no verão é insuportável (a ponto de ter um aparelho portátil inclusive para a cozinha, para um mínimo de conforto para a minha empregada doméstica).

Ainda faço questão de ter um bom carro por conta da segurança e comodidade (câmbio automático para quem tem preguiça de dirigir como eu), mas também único e de porte pequeno, perfeito para o meu dia a dia na cidade, já que em geral quando viajo prefiro avião e aluguel de carro (mas, por pressão dos filhos, “para variar”, tive que me render a um modelo importado).

E só agora tenho o meu primeiro iPhone (não sei quanto tempo vai durar, pois perco celular a toda hora), isso porque “ganhei” o antigo de um dos meus filhos que agora “precisa” de um mais atualizado. Só não abro mão da minha pequena banheira vitoriana de imersão (já tive uma Jacuzzi enorme e hoje detesto a barulheira do motor) com minhas luzes cromoterápicas que, após um exaustivo plantão médico, me relaxam (e me dão inspiração, inclusive para esse texto).

E sigo com a minha “mea culpa: como mulher vaidosa gosto de me vestir bem, mas depois de assistir ao documentário “The Corporation” mudei meu foco, procuro só consumir produtos (sapatos, bolsas, roupas em geral) cuja marca tenha compromisso social com seus empregados e que não tenham preços exorbitantes para os mesmos (por exemplo, uma bolsa “Luis Vuitton” ou “Vitor Hugo” de cinco mil reais jamais fará parte dos meus “modelitos”, até porque, além do preço absurdo, acho-as muito senhoris, não combinam com meu estilo).

Interessante como ser solidária incomoda os “senhores da casa grande”: já tive casa de veraneio (que só usava em escassos fins de semana) com piscina, churrasqueira, gramado para vôlei e futebol, salão de jogos, hidromassagem e outros supérfluos, e certa vez, quando alojei uma família de necessitados (não parentes) na dita cuja, fui acionada por vizinhos que ficaram horrorizados quando eu disse que eles não tinham invadido a minha propriedade e sim que eu os autorizei a usar a casa.

Uma outra vez fui chamada “às falas” por uma vizinha do meu edifício (a Senhora dos absurdos, esquete do humorista Paulo Gustavo, está mais viva do que nunca e entre nós), que veio me questionar, dizendo que eu era “um mau exemplo para o condomínio”.

Sem entender o porquê daquelas palavras, a tal “Senhora do Absurdos” me explicou: “é que sua empregada fica de conversinha com as nossas e está provocando um motim, pois agora todas querem reivindicar melhor salário (eu sempre pago acima do salário legal, porque as minhas empregadas, em comum acordo, me ajudam sempre além das suas obrigações legais).

E, sem pestanejar, continuou: “e elas agora querem também flexibilidade no trabalho” (isso porque a minha empregada doméstica, incentivada por mim, faz curso técnico de enfermagem em área trabalhista, então chega e sai a hora que convém para os estágios dela). Agora imagina quando descobrirem que a minha empregada tem um ar condicionado na cozinha...acho que serei linchada...uahuahuah.



Tom Shadyac, o cineasta e protagonista do documentário “I am” é chamado de “louco, maluco, doente mental” por muitos, por ter desistido do seu mundo de “glamour”, e eu também já ganhei esses “honrosos” apelidos por conta das minhas atitudes, advindas das tais “senhoras do absurdo” e também por conta das minhas denúncias no trabalho (quanto a conivência das pessoas) em relação a (falta de) ética, mau caratismo e imperícia de certos indivíduos no meu ambiente de trabalho no serviço público (ninguém quer se indispor, afinal, os únicos prejudicados mesmos são os descamisados de sempre...).

Nos ensinaram que o mundo é um lugar selvagem (e não só de animais, mas de seres humanos), nos foi passado de geração a geração que estamos acabando com a nossa espécie e com o mundo em que vivemos, e que somos geneticamente competidores e competitivos, e que a felicidade está em ter e não em ser (e, atualmente, basta “parecer ser” e “parecer ter”, tanto que ex-BBBs se transformam em artistas e modelos da noite para o dia e também o que não falta é gente da classe média desfilando com bolsas “fakes” de cem reais com o logotipo da Louis Vuitton).

Tudo isso só gera problemas incalculáveis para a sociedade em que vivemos como as desigualdades sociais, as guerras, a fome. Se as pessoas começarem a entender isso, a mudança acontecerá como resultado de milhões de pequenas ações que podem parecer insignificantes, mas não são.

A “medida” da felicidade inclui tanto países ricos (do “primeiro mundo”) como países pobres (do “terceiro mundo”), no topo desses “rankings” periódicos, provando que ser feliz é um estado de espírito e independe da quantidade de supérfluos e de dinheiro que se possua, e sim do quanto saciamos nossas vidas em relação à sobrevivência básica (fome, frio, sede) e o quanto os seus habitantes se relacionam (e se ajudam mutuamente) entre si e com os seus visitantes.


E, para reflexão de todos, deixo o belo documentário francês A marcha dos pinguins (La marche d'empereur) sobre a luta dos pinguins-imperadores pela sobrevivência, que todo ano atravessam numa longa caminhada até o único local possível para reprodução, no frio gélido da Antártica. 

De uma beleza ímpar e com uma bela trilha sonora (com a voz quase infantil da cantora francesa Émilie Simon) acompanhando os pinguins na árdua caminhada, o filme é encantador e extremamente poético e envolvente e um exemplo e uma lição para nós, seres humanos, aprendermos (ou melhor, relembrarmos) como se faz a solidariedade entre as espécies.



E relembrando o astrônomo e cientista Carl Sagan, deixo o vídeo abaixo, com o texto imperdível, na voz original do próprio cientista, com o cinema como ilustração mostrando tanto a beleza como também (infelizmente) as atrocidades da raça humana para com o nosso pequeno planeta Terra.

Palavras de Sagan: “a astronomia é uma experiência de humildade e formação de caráter, e talvez não haja melhor demonstração da tolice das vaidades humanas do que a imagem do nosso planeta visto como um pequenino ponto pálido azul na imensidão cósmica... pense nas infinitas crueldades infligidas pelos habitantes de um canto desse pixel nos quase imperceptíveis habitantes de algum outro canto do mesmo... e, assim, humildemente deveríamos enfatizar nossa responsabilidade de tratarmos melhor uns aos outros, e de preservar e estimar o único lar habitável que nós conhecemos, o nosso Pálido Ponto Azul”. 




E, para fechar com chave de ouro, deixo o link **(abaixo) do site da Revista Cult com o ótimo texto da escritora e filósofa Márcia Tiburi (tão longo quanto o meu, afinal, modéstia à parte, escrevo para cabeças pensantes que não se intimidam diante da extensão de um texto) intitulado “A arte de escrever para idiotas” (ou seja, o texto fala sobre os que, em geral, não lerão os extensos artigos dela). Eu reconheci quase todos os tipinhos no meu dia a dia (principalmente aquele que se encaixa no apelido “a brochada da inteligência”, huahuahua). Imperdível.

** http://revistacult.uol.com.br/home/2015/04/a-arte-de-escrever-para-idiotas/

Postado por *Rosemery Nunes ("Adorável anarquista")

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