Resenha: 1984





Guerra é Paz
Liberdade é Escravidão
Ignorância é Força

Um dos livros mais importantes do século XX, ainda hoje se mostra mais atual do que nunca. Publicado pela primeira vez em 1949, o livro de George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair, ao lado de Admirável mundo novo, Fahrenheit 451 e Laranja mecânica forma a tétrade clássica da literatura distópica. Uma obra indispensável para todos, principalmente para os jovens que caminham para o limbo da ignorância política.

No ano de 1984 o mundo está dividido em três superestados que vivem em constante guerra: a Eurásia, que compreende parte do continente europeu e asiático; a Lestásia, que inclui China e países ao sul da China, as ilhas do Japão e parte da Manchúria, Mongólia e Tibete; e a Oceânia, formada pelas Américas, as ilhas atlânticas – inclusive as britânicas – e parte sul da África. Nesse último vive Winston Smith, com seus trinta e nove anos e sua terrível úlcera varicosa, como (quase) todos os anti-heróis de livros distópicos, ele não está satisfeito com a realidade em que vive. Sua derrocada começa quando Winston decide escrever um simples diário no dia 4 de abril de 1984. A partir daquele dia era só questão de tempo até que fosse pego e provavelmente sumisse da face da terra. Seria como se nunca tivesse existido.

Privacidade, pensamento livre, democracia, liberdade, individualidade, nada disso existe na Londres de Winston. As pessoas, exceto os proletas, são vigiadas, provavelmente, a todo momento pelas teletelas, aparelhos similares a televisores enormes com uma câmera e um microfone de monitoramento (parece familiar?) servindo de guarda para a Policia das ideias, órgão do governo que vigia todo e qualquer ato ou pensamento subversivo. Além disso, as teletelas servem como canal de transmissão da ideologia do Partido.





O governo é o Partido e a sociedade de Oceânia vive pelo e para o Partido, que tem na figura do Grande Irmão sua personificação, e está no alto da pirâmide social. A sociedade é completada pelo Núcleo do Partido e o Partido exterior (classe média) e os Proletas (classe baixa). Winston faz parte da segunda fatia da sociedade, mais especificamente do Partido exterior, trabalhando no Departamento de documentação, lugar onde o passado é sistematicamente reescrito conforme as necessidades do governo. Durante os Dois minutos de Ódio, cerimônia onde os membros se reúnem numa sala e basicamente expõe toda a raiva que sentem para com os seus adversários, mais precisamente para um senhor chamado Emmanuel Goldstein, outrora um dos líderes da revolução contra os capitalistas, que promoveu a ascensão do Socing (Socialismo Inglês) e que hoje seria o “inimigo do povo” de Oceânia, Winston percebe Julia, moça não tão bonita e que aparentemente o encara com certa frequência. Os dois acabam se apaixonando, e aí as coisas começam a ficar interessantes, para nós leitores, para Winston e Julia nem tanto.

A escrita de Orwell é bastante fluida e faz com que o leitor não queira largar o livro, mesmo com toda angústia que sofre durante a leitura. Apesar da capa bastante colorida da edição da Companhia das Letras, e diga-se de passagem bem bonita, a narrativa é totalmente incolor, é um mundo totalmente cinza. A Esperança não aparece com recorrência em 1984. Para alguns leitores mais otimistas ela pode ser personificada no personagem O'brien, um membro do núcleo do Partido que aparentemente tem os mesmos objetivos de Winston: Acabar com o Partido.

"O partido dizia que a Oceânia jamais fora aliada da Eurásia. Ele, Winston Smith sabia que a Oceânia fora aliada da Eurásia não mais que quatro anos antes. Mas em que local existia esse conhecimento? Apenas em sua própria consciência, que de todo modo, em breve seria aniquilada. E se todos ou outros aceitassem a mentira imposta pelo partido – se todos os registros contassem a mesma história – a mentira tornava-se história e virava verdade. “ Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado” rezava o lema do partido. E com tudo isso o passado, mesmo com sua natureza alterável, jamais fora alterado. Tudo que fora verdade agora, fora verdade desde sempre, a vida toda. Muito simples. O indivíduo só precisava obter uma série de vitórias intermináveis sobre a memória. “Controle da realidade”, era a designação adotada. Em novafala: "Duplipensamento""

O duplipensamento é um dos conceitos mais interessantes que Orwell nos apresenta. Essa forma de controle beira a perfeição. Ora, tudo o que um governo totalitário precisa de seus governados é alienação total para não perceber o que está embaixo de seus narizes, como a falta de liberdade e a total opressão que sofrem, porém, e se eles perceberem? Então, basta fazer com que percebam e não percebam ao mesmo tempo! O paradoxo está até nos três slogans do Partido que você leu ali acima. O que mais impressiona em 1984 é a sua capacidade de fazer com que o leitor se sinta, até certo ponto, mal durante a leitura. É quase claustrofóbico. A sensação de que, em determinada parte do livro, se tem de que aquilo não caminha para um final feliz é aterradora. Orwell critíca o homem como um ser que perverte até a melhor das intenções. Ao contrário do que muitos pensam, 1984 não é uma critica ao socialismo em si (Orwell era socialista) mas na busca do homem pelo poder simplesmente pelo poder. A prisão mental que vivem os que pensam de forma minimamente diferente naquela sociedade totalmente alienada é cruel e Orwell nos faz perceber de maneira salutar aspectos que talvez nunca tenhamos percebido da sociedade em que estamos inseridos e toca na ferida realmente pra machucar, e claro, fazer-nos pensar.

Liberdade é a liberdade de dizer que dois mais dois são quatro. Se isso for admitido, tudo o mais é decorrência.”

Se pensarmos que a Internet sequer existia quando o livro foi escrito, a coisa fica ainda mais interessante. Redes sociais, celulares com câmeras, todas as formas de monitoramento que a tecnologia proporcionou mostra que a obra de Orwell está tão atual como nunca.


Referências não faltam na literatura, no cinema (a obra teve duas adaptações para o cinema, a mais conhecida delas, adivinhem, no próprio ano de 1984) na TV e também na música, claro. Um dos inspirados na desventura de Winston é o grande David Bowie, que até almejou um filme sobre a obra, mas “só” fez um álbum inteiro mesmo, o 'Diamond Dogs', de 1974.




Uma banda que também adora referenciar livros em suas músicas é o Radiohead (o quinteto já homenageou até 'O guia do mochileiro das galáxias'). No álbum 'Hail to the thief' de 2003 está 2+2=5, clara referência à obra de Orwell.




Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem