Música, Maestro !!! "Riffs" no cinema.






Alguém já imaginou um filme sem trilha sonora? Impossível. Mesmo os filmes da era do cinema mudo tinham uma música de fundo que acompanhava as cenas sem falas. Inclusive, houve uma época, bem nos primórdios da sétima arte (no início da década de 20, do finado século XX), quando ainda não se conseguia cronometrar música e imagem, em que uma orquestra de músicos era contratada para tocar ao vivo durante toda a exibição do filme em questão.

A música é uma personagem fundamental no contexto de um filme ( ou mesmo em qualquer outra arte afim). Certos filmes e certas cenas permanecem eternamente gravados na nossa memória por conta de suas belas e marcantes trilhas sonoras.




O cinema sempre foi “a minha praia”, mas também a música me acompanhou, junto com o cinema, por toda a minha adolescência – estudei piano, teoria musical, canto coral e harmonia, mas a medicina desviou meu destino para outro lado da vida, e essas artes (cinema e música, e dança também) passaram a fazer parte exclusiva do meu hobby e lazer ( ainda me lembro dos sustenidos e bemóis das notas musicais e, inclusive, ainda consigo ler partituras em clave de sol e de fá).

Um adendo: aliás, vem daí, da minha aproximação com a boa música (leia-se música de qualidade), desde a adolescência, a minha eterna implicância com musiquinhas “rasteiras”, como as horripilantes “músicas sertanejas” (que de sertão não têm nada) e a sua versão igualmente horrenda, “a sertaneja universitária” (“What's p... is that?” “Sertão” na universidade?? Simplesmente ridículo) e o sofrível “funk”, com os seus paupérrimos “acordes” (entre aspas, pois se é que se pode chamar essas m..... de “música”, com suas letras, respectivamente, de “corno manso” ou então de “babaca-mor” e de “cachorra”). Como alguém pode aguentar tais suplícios???!!! Aff... doem os meus sensíveis ouvidos.

Mas, deixando a pobreza (de espírito, de cultura e “de ouvido”) de lado e, voltando ao cinema (“thank, God”)  para mim, é sempre um prazer inenarrável me inteirar das técnicas usadas pelos grandes nomes da música e pelos grandes maestros do cinema, na composição de uma música ou de toda a trilha sonora de um filme. É como voltar a adolescência, aos velhos tempos do Conservatório de Música, em que eu me via envolvida com acordes, solfejos, arpejos, riffs, staccatos, ostinatos e tantos outros termos musicais.

Os “riffs” são acordes ou notas musicais repetidas no contexto de uma música, formando a base harmônica ou o acompanhamento da música. São muito usados pelos jazzistas, blueseiros e roqueiros. Chuck Berry sempre “usou e abusou” dos riffs, e a música “Johnny B. Goode” já começa com um riff tão famoso, que ninguém esquece, e óbvio, é impossível ficar parado (nem que seja mexendo o pé debaixo da mesa), em qualquer festa a pista simplesmente lota.




E no filme “De volta para o futuro” (“Back to the future”) há uma divertida brincadeira com esta música de Chuck Berry, quando o protagonista McFly (vivido por Michael J. Fox) toca “Johnny B. Goode” em plena festa da escola (na sua “volta ao passado”, quando a tal música ainda não tinha sido escrita), e um dos “músicos da banda” que o acompanha, impressionado com o som, pega o telefone e “dá a deixa” daquele novo ritmo para o verdadeiro Chuck.




E o próprio Mick Jagger, da cinquentenária banda inglesa “The Rollings Stones”, também já confessou ter “copiado” os famosos riffs de Chuck Berry, com forte e visível influência na sua carreira musical, como vemos no balanço irresistivelmente dançante da famosa “Satisfation”.



O “ostinato” (“ostinati”, em italiano) é muito usado na música e no cinema. Nesse caso, as notas ou frases musicais são persistentemente repetidas, numa mesma altura, seguindo um padrão rítmico. A música “Money” do grupo Pink Floyd ficou famosa pelo “ostinato” logo no início da canção, junto com o tilintar das moedas.




Já o cinema também fez fama com os “ostinatos”.  A música-tema principal composta pelo grande maestro John Williams para o filme “Tubarão” (“Shark!”) ficou para sempre em nossas memórias, com o ostinato de apenas duas notas musicais, que desde então passou a ser sinônimo de “aproximação de perigo”.

A música vai num crescendo como se seguisse os movimentos do mamífero e aumenta na hora do ataque do animal, e sem nem mesmo precisarmos presenciar mordidas e feridas, o medo toma conta do espectador, e a música envolve tanto a ponto de sentirmos vontade de levantar da poltrona do cinema para avisar ao figurante do ataque iminente.




No divertido, e ao mesmo tempo dramático, “Amadeus”, o cineasta Milos Forman dá uma “aula de ostinato”,  na cena em que Mozart, já no seu leito de morte, suplica perdão ao então perplexo e rival Salieri que, estupefato, auxilia o genial músico  a compor o “Confutatis” do seu “Réquiem em ré menor”, com os lamentos irresistíveis de quem “foi ao inferno” e se sucumbiu.

Simplesmente genial (principalmente para quem estudou música mas, independente disso, o filme é um primor como um todo). Imperdível também por conta do ator estadunidense Tom Hulce que, divinamente, nos emociona e nos diverte na pele de um Mozart gaiato mas não menos talentoso.




No belo filme francês “Retratos da vida” (“Les uns et les autres”), do diretor Claude Lelouch, o ostinato do famoso Bolero de Ravel é a música-tema que une as várias gerações de famílias de diversas nacionalidades, todas elas massacradas pela segunda grande guerra, com a bela performance do bailarino argentino Jorge Donn, acompanhado pelo canto da atriz Geraldine Chaplin, tendo a bela imagem da Torre Eiffel ao fundo. Inesquecível a cena (e o filme).




“Staccato” é um termo musical da língua italiana, berço da música clássica erudita, e significa “destacado”. Entre uma e outra nota ou frase musical interrompe-se o seu som, ficando as notas de curta duração. E até a medicina se "apodera" dos termos musicais e eu, como médica ecocardiografista e amante da música, entro logo nessa onda (esse termo “staccato” é usado na medicina quando há grave comprometimento do fluxo de um vaso arterial, no qual o fluxo é interrompido imediatamente antes da oclusão da artéria, denominado “fluxo em staccato”).

Já o “pizzicato”, uma modalidade do staccato, é a mesma interrupção da nota mas nos instrumentos de corda, e é muito usado pelos jazzistas, principalmente os contrabaixistas (mas também os baixistas curtem), pinçando as cordas com os dedos.

No filme “Psicose” (“Psycho”), Alfred Hitchcock fez um belo trabalho cinematográfico em preto e branco, cuja grandeza reside, em grande parte, nos elementos formais que estruturaram a dramaturgia visual e musical, auxiliado em grande parte pela genial trilha sonora, mérito do compositor norte-americano Bernard Hermann.

Na famosa cena do banheiro, os “pizzicatos” das cordas agudas dos violinos pontuam histericamente os gritos da personagem Marion (vivida por Janet Leigh) sendo esfaqueada, em contraposição com “as frases graves” dos violoncelos e baixos que enriquecem a dinâmica da seqüência. Realmente uma cena de mestre.




A música usada como sonoplastia no cinema, reforçando a comunicação pelo som, tem como objetivo ilustrar e/ou destacar movimentos ou ações que ocorrem na sequência de uma cena ou diálogo, ou então funciona como música de fundo de uma narração.

E, como sempre digo, o cinema é o “melhor mestre” que eu conheço,  pois quem entende de cinema, sabe de tudo um pouco, e porque não dizer, o cinema ensina tudo de tudo, é só procurar que está tudo lá, na telona, ao nosso bel-prazer. E, da próxima vez que alguém, próximo a você, estiver escutando pobrezas musicais como funk ou sertanejo universitário, dê esta dica de cinema, o ouvido desse alguém agradecerá (e o seu também, kkk).

Para terminar este texto com “chave de ouro”, deixo a a lembrança de outros famosos maestros do cinema, como o grande Ênio Morricone, que assinou a magistral trilha de “Cinema Paradiso”, de 1988, do cineasta italiano Giuseppe Tornatore , a mais bela (e até hoje ainda insuperável) “Homenagem ao Cinema” de todos os tempos (e meu eterno “filme de cabeceira”, perdi a conta de quantas vezes já assisti), vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro de 1990.  Realmente inesquecível (“Bravo, Alfredo, é belíssimo”).




Também o genial Nino Rota, da antológica trilha de “O poderoso chefão” (“The Godfather”).




E também os mais novatos, como Clint Mansel, da angustiante (tanto quanto o filme) trilha sonora do ótimo “Réquiem para um sonho” (“Requiem for a dream”).



E termino com o guitarrista e compositor Ry Cooder , responsável pela trilha sonora do ótimo (mas não menos sombrio) “Paris, Texas”, e paro por aqui, porque é praticamente impossível citar todos.



Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem