"Embromation" na sétima arte: séries televisivas




Apesar de amante da sétima arte, não é qualquer filme (ou série) que eu assisto, porque grande parte da indústria cinematográfica gira em torno do lucro (como quase tudo na vida) e assim, para cumprir compromissos de agenda e manter a produção em “escala industrial” (sem tempo a perder com “produções artesanais”), produz-se muito lixo, como os famosos “enlatados” (e séries) repletos de clichês “prá ingrês ver”. 

Assim, para eu curtir um filme, o cineasta tem que me “vender” a idéia da sua narrativa; eles (tanto o diretor, como os produtores e roteiristas) têm que ser convincentes no seu intento, para que eu “embarque” na história que querem contar, seja ela (a história) real, surreal ou totalmente fantasiosa, principalmente quando se trata de séries que perduram por anos, em que um episódio depende do anterior para compreensão do desenrolar da história (como sou médica, com uma vida profissional muito atribulada, não tenho tempo a perder com “trash”).

Ou seja, a história pode ser drama, comédia, suspense, terror, ficção, mocinho com pinta de bandido ou vice-versa, envolver extraterrestres abdutores, quarta ou quinta dimensão, mundo paralelo, ocultismo, vampirismo, ou qualquer outro tema, “whatever”, o que importa, para mim, é que o cineasta seja convincente na hora de vender seu peixeMas nem sempre é assim.

Por exemplo, a extinta série “Lost”, em minha opinião, até começou bem (eram personagens fortes, cheios de dramas pessoais, que tinham que se ajudar para sobreviverem numa ilha após um acidente aéreo), mas os executores perderam o foco da narrativa, misturando “várias tendências”, com dezenas de perguntas sem respostas, num evidente “anúncio” de que queriam enrolar o espectador para que a série perdurasse (afinal, com o sucesso garantido, “esticaram” a história mais do que deviam, visando continuar “bebendo” no sucesso e no lucro da mesma).


  
Para mim, “Lost” passou a ser um engodo, com dezenas de histórias “sem pé nem cabeça” e, pior, muitas continuaram inconclusivas, mesmo findada a série (vi só os primeiros episódios e “caí fora” muito antes do término). Não só para mim, mas a série “Lost”, apesar do sucesso, foi considerada o maior embuste do século, em matéria de séries. Os autores, com certeza, não tinham a menor noção de como iriam continuar a história, quanto mais como a terminariam (e foi exatamente o que foi visto na tela). 

O que aconteceu foi que “Lost” teve um sucesso inesperado (produtores e roteiristas interagiam “on line” com os fãs, leitores e também críticos de televisão, num intenso e ostensivo marketing, com propagandas em rádios e chamadas especiais na TV), e os autores então, em busca da perpetuação da audiência, resolveram esticar a história, com milhões de mistérios que eles mesmos não tinham a menor idéia de onde iriam parar, mas tinham que deixar os telespectadores (leia-se, “os otários”) intrigados, grudados na tela, aguardando as tão esperadas respostas que nunca aconteceram.

Bizarrices ao extremo, a série “Lost” não disse a que veio, não dava “prá comprar a brincadeira”, ou seja, se é surreal é surreal, se é mundo paralelo é mundo paralelo, se é místico é místico, se é viagem no tempo, que seja, o que não dá é querer misturar tudo numa só história, porque soa como “embromation”, típico “prá ingrês ver”.

Viagem no tempo? Ilha mal assombrada? Fumaça negra? Cerca sônica? Um monstro? Uma criatura mística? Teoria da conspiração? Urso polar perdido numa ilha tropical? Tudo era muito incoerente em “Lost” e a cada episódio ficava cada vez mais confuso, sem lógica, sem respostas e sempre com mais e mais perguntas, um verdadeiro embuste. 

A série terminou em 2010, deixando sem respostas muitos mistérios propostos ao longo de seis temporadas anuais, e muitos se sentiram “traídos, trocados e enganados” (eu cansei de avisar, na época, aos amigos apaixonados pela série e ávidos por desvendar os enigmas, mas de nada adiantou; e de longe, literalmente “de camarote”, eu fiquei observando os “sofredores” aguardando respostas que, o tempo todo, eu tinha certeza que não aconteceriam). 

O melhor desabafo que ouvi, de um aficionado mas no fim decepcionado com o desenrolar da série “Lost”, foi: “durante seis anos me senti como se estivesse casado com alguém que me batesse, e no fim, sem nenhuma explicação, ainda me abandona” (kkk, ri muito ao ouvir isso, típico “mulher de malandro” kkk).



Diferente de “Lost”, a ótima série “Breaking bad” teve começo, meio e fim, e terminou brilhantemente (começou em 2010 e terminou em 2013) sem perder a essência inicial, e assim evitou ser procrastinada indefinidamente (como aconteceu com “Lost”).

“Breaking bad”, ao pé da letra, seria traduzido, mais ou menos, como “liberando o mal”, ou então, numa tradução mais adequada para a temática da série, seria “tornando-se mal”, mas na gíria sulista norte-americana significa algo do tipo “chutar o balde”, ou seja, alguém que cansado de ser bonzinho e de só se dar mal, então se desvia do caminho correto e passa a fazer coisas erradas, tornando-se “um fora da lei”, literalmente falando.

Os créditos iniciais da série começam mostrando a tabela periódica dos elementos químicos, de onde é extraído o título da mesma, e os nomes dos atores são todos apresentados com letras maiúsculas nas sílabas que coincidem com os elementos químicos. O autor da série, Vince Gilligan, usou também a chamada “teoria das cores”, não só nas roupas, como também no cenário da série, combinando cada cor com uma situação emocional do personagem em si.



A história conta com um exímio professor de química, sem muita sorte na vida profissional, que se vê numa “roleta russa” quando descobre que tem um câncer de pulmão em fase avançada, uma esposa grávida e um filho adolescente com sequelas de paralisia cerebral. 

Determinado a gerar uma herança para a sua família antes de sua morte, acaba abraçando uma vida de crimes, produzindo e vendendo drogas, no caso a metanfetamina (“blue meth”), prevalecendo de seus conhecimentos de química.

Dá até vontade de voltar a estudar química para relembrar e poder conferir as fórmulas “mágicas” que o exímio químico exibe em suas explanações, produzindo tanto substâncias alucinógenas como explosivas (sendo a aparência de uma idêntica à outra), a partir de ligeiras mudanças nos radicais das fórmulas químicas.




Dirão os “politicamente corretos” que a série “faz apologia a drogas” e que promove a máxima de que “o crime compensa” – quem assiste a um único capítulo, solto e aleatório, pode realmente ter essa impressão equivocada, principalmente nas cenas (algumas até hilárias, inclusive) em que o protagonista literalmente “chuta o balde” para as regras ditas sociais e/ou civilizatórias.

Mas, no contexto geral, ao contrário, a série dá exemplos de retidão de caráter (principalmente na figura do policial bonachão e gente boa) e um alerta para o perigo das drogas e mostra o quão é ilusório o mundo do crime, ao mostrar o visível declínio da vida pessoal do tal químico, apesar de rico ilicitamente. 

A verdade é que, além da trama intensa e extremamente envolvente, a série aborda temas difíceis de lidar no mundo real, no caso específico da série a chamada redenção dos “heróis/bastardos inglórios”. A sensação é de que não dá para definir e rotular quem são os vilões e mocinhos da história, a maioria deles são sofredores, os verdadeiros e eternos viciados (em dinheiro, poder ou drogas). 

Já a nova série da HBO intitulada “The Leftovers” (que, ao pé da letra, significa “sobras”) é uma adaptação do drama homônimo do escritor estadunidense Tom Perrota, que conta a história surreal de um misterioso desaparecimento simultâneo de cerca de 2% da população mundial, ou seja, num mesmo único dia, ao mesmo tempo, sem nenhuma explicação, cerca de “nada mais, nada menos” que cento e quarenta milhões de pessoas literalmente “evaporaram” no ar, em frente aos seus familiares.

E a história pula para anos após o mistério, mostrando como a população de uma pequena cidade americana reagiu nos três anos seguintes ao tal misterioso sumiço de seus familiares. Como atores conhecidos, a série conta com a bela Liv Tyler, como integrante de uma estranha seita chamada “remanescentes culpados” (“guilty remnant”).

Ao que parece a série irá focar preferencialmente na vida dos personagens que ficaram sem os seus entes queridos e como reagiram depois de passados todos esses anos, como cada um criou uma maneira própria de continuar as suas vidas a partir daquelas perdas inesperadas. 

No Brasil, o título do livro, de onde a série foi baseada, vem com o subtítulo “Os deixados para trás”, e aborda as crendices e fanatismos dos que insistem numa explicação para a “evaporação no ar” de seus entes queridos, seja ela religiosa (arrebatamento divino?) ou conspiração governamental (experiência em humanos como segredo de estado?) ou ufologia (abduzidos por extraterrestres?) ou quem sabe o quê mais.

Os que se foram (os cento e quarenta milhões) nada têm em comum, vão desde pessoas comuns a artistas (os produtores da série colocaram, como um “easter egg” para descontrair, o ex-atleta Shakille O'Neal como um dos desaparecidos), religiosos de várias crenças (o papa Francisco também é “um dos que desapareceram” sem deixar vestígios),  maridos exemplares mas também os polígamos, trabalhadores honestos mas também políticos corruptos, além de crianças e inocentes recém-nascidos, desnorteando assim ainda mais “os deixados para trás”.




O drama é na verdade um ensaio conturbador de como a fé sutilmente pode virar fanatismo e como falsos profetas se aproveitam da desgraça e das dores humanas, com falsas promessas de curas, contatos com o além, e por aí vai, e assim proliferando dezenas de religiões e seitas pelo mundo afora que fazem embarcar nelas pessoas carentes e fracas emocionalmente que se apegam a qualquer forma de fanatismo e paranóia como uma tábua de salvação.

Seria como prever como pessoas comuns podem reagir a acontecimentos extraordinários e muitos deles inexplicáveis que provoquem grande comoção nas pessoas, como aconteceu, por exemplo, no caso das torres gêmeas (o ataque terrorista ao World Trade Center em 2001 com a perda de centenas de milhares de pessoas ao mesmo tempo), mostrando a fragilidade das pessoas que nunca se preparam para perder seus entes queridos.

Uma vez que não somos eternos, podemos realmente “desaparecer” de uma hora para outra, pois a “Dona Morte” pode querer “ceifar” nossas cabeças repentinamente (ninguém está livre de um  desastre aéreo ou automobilístico ou de um súbito e fulminante ataque cardíaco ), mas nunca acreditamos que isso possa acontecer com um dos nossos entes queridos, e que um dia todos vamos “partir desta para melhor” (agora, se seremos realmente “agraciados com o paraíso” ou se iremos “para o inferno pagar nossos pecados”...). 

Eu, particularmente, como curto tudo sobre a psiquê humana (e cética quanto a coisas do outro mundo), espero que a série mantenha-se nesta linha narrativa, e não busque respostas surreais para “explicar o inexplicável” (afinal, como explicar o sumiço do nada, de milhões de pessoas ao mesmo tempo, sem deixar vestígios de corpos ou qualquer outra pista?), pois não gosto de me sentir ludibriada (o perigo é que o produtor, de nome Damon Lindelof, foi um dos que participaram do “embromation Lost”).

Ainda acredito que não haverá respostas esdrúxulas (porque não haverá explicações convincentes, e nem é preciso), não acho que seja este o cerne da série, ou seja, responder para onde foram os desaparecidos (com certeza, não é o do livro) e sim mostrar como ficaram emocionalmente os “deixados para trás”. Por enquanto, a série está empolgante, por conta disso. A primeira temporada termina agora em setembro, e a segunda temporada está sendo guardada “a sete chaves”. Vamos esperar para ver no que dá, porque o trauma e o fantasma do “embromation Lost” ainda paira no ar.


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