De médico e louco...





De “médico e louco, todos temos um pouco” – esse adágio popular é famoso, talvez por isso o cinema “curta” tanto estes dois temas. E há de tudo um pouco no mundo da sétima arte em torno destas duas temáticas, que vão desde biografias, dramas, suspenses, comédias e musicais, bem “ao gosto do cliente”, sob a forma de filmes, séries e curta-metragens.   

Certa vez, uma amiga médica reclamou da falta de compromisso com a veracidade, em matéria de “cenas de filmes que se passam em um ambiente hospitalar” que, muitas vezes, “acabam por desanimá-la” em continuar assistindo ao filme em questão. E se o filme passeia pelo universo da loucura, a coisa pode ficar mais complicada ainda.

Mas eu, como médica e cinéfila, sei que a maioria destes filmes, são em geral “enlatados” nem um pouco comprometidos com a qualidade da película, porque em geral um bom cineasta não dispensa uma consultoria para assuntos profissionais, principalmente na área da medicina.

Mas (mesmo que haja preocupação do cineasta em se manter fiel à realidade nua e crua), como toda arte, o cinema imita a vida, mas não a substitui. Assim, haverá sempre a chamada “licença artística ou poética”, em que um cineasta (ou um poeta) lança mão da fantasia para tornar uma obra mais bela do que na vida real, como acontece por exemplo, na música “Noturno”, em que o compositor Fagner fala sobre “o aço dos olhos, o fel das palavras e o pulsar das veias” (e, na verdade, pode parecer que não, mas a veia também pode realmente pulsar), para tornar poética a dor e o rancor do abandono e da perda de uma grande paixão.




E assim, o cinema passeia pelo universo da medicina e da loucura em primorosos filmes, séries e curta-metragens (óbvio que não dá para falar de todos). E mesmo para quem não entende de medicina, são filmes tocantes, emocionantes, que fazem do cinema um misto de diversão, entretenimento e cultura, e que podem inclusive gerar sentimentos altruístas, além de calorosas discussões filosóficas.

Em 'Quase Deuses' (“Something The Lord Made”), o cinema conta a história real de uma grande descoberta da medicina, e relata os “bastidores” da primeira cirurgia cardíaca realizada no mundo, voltada para a correção de doenças cardíacas congênitas, em crianças cianóticas (popularmente conhecidas como “crianças azuis”).

A cirurgia foi desenvolvida pelo médico cientista norte-americano Alfred Blalock (com a ajuda da também cientista Helen Taussig) e o feito não teria tido êxito, não fosse a habilidade de um técnico de laboratório, de nome Vivien Thomas, que era também carpinteiro, que desenvolveu as ferramentas necessárias que tornaram realidade o sonho de Blalock (vivido pelo grande ator Alan Rickman).

Em plena “Grande Depressão” americana, nos anos 40 do século XX, Vivien Thomas (no filme, vivido pelo músico rapper e ator Mos Def) queria ser médico, mas pobre e negro na cidade americana de Baltimore, cercado de preconceito racial, teve seu sonho abortado, mas no fim acabou sendo reconhecido pelo Departamento Cirúrgico do Hospital Johns Hopkins, por sua notável contribuição para a medicina, sendo então agraciado com o título de doutor honorário.

A tal cirurgia recebeu o nome dos seus três brilhantes inventores, ou seja, “cirurgia de Blalock-Taussig-Vivien”, e é até hoje realizada (com pouquíssimas variações) nas tais “crianças azuis”. “Quase Deuses” é um filme singelo, sobre uma história real que fala de amizade, parceria, reconhecimento, e uma lição de vida e perseverança.




Em 'Regras da Vida' (“The Cider House Rules”), o personagem de Tobey Maguire vive um rapaz órfão, aprendiz de um médico (o ator Michael Caine), que lhe ensina o ofício de obstetra (abordando temas éticos como gravidez indesejada, aborto, abuso sexual, incesto e outros), mas não o prepara para as escolhas e decisões que a vida lhe impõe, e ele vai aprender com a bela Charlize Theron muito mais do que ele pode suportar.


E o filme conta com uma bela trilha sonora instrumental (assinada pela premiada compositora inglesa Rachel Portman), que combina divinamente com as belas paisagens montanhosas, repletas de neve.




Sonhos Tropicais” é um filme brasileiro, desconhecido do grande público, que conta a luta, do nosso renomado médico Oswaldo Cruz, tentando convencer a sociedade carioca da importância do saneamento básico para vencer doenças tropicais, enfrentando assim a população na famosa “Revolta da Vacina” nos primórdios do século XX.


Há vida após a morte? Estudantes de medicina (Julia Roberts, Kevin Bacon, Kiefer Sutherland) resolvem romper a barreira entre a vida e a morte, no suspense “Linha Mortal” (“Flatliners”) numa perigosa experiência, na tentativa de “checar ao vivo” esse enigma.




O filme “Patch Adams, o Amor é Contagioso” conta a vida real do médico americano (vivido no filme pelo ator Robin Williams) que, junto com sua trupe de palhaços, viaja pelo mundo, para áreas críticas de guerra e conflitos, levando alegria como uma forma de minimizar os males e as doenças.





O polêmico tema eutanásia também é constantemente abordado no cinema, em filmes magistrais como o premiado “Menina de Ouro” (“Million Dolar Baby”, de Clint Eastwood), e também no sensível e tocante “Mar adentro” com o talentoso ator Javier Barden, que dá um banho de interpretação, na pele de um tetraplégico, que “luta” pelo direito de morrer dignamente.





O Estranho no Ninho” (“One Flew Over the Cuckoo's Nest”), excelente drama do diretor Milos Forman, que projetou Jack Nicholson para sempre no mundo hollywoodiano, focava na rebeldia e posterior loucura do personagem principal, com “caras e bocas” insanas que viraria a marca registrada do veterano ator.





Agora, se preferir descontração, então vá para o “bom e velho” Jerry Lewis, com o “Bagunceiro Arrumadinho” (“The Desorderly Orderly”) dos anos 60. Lewis é um auxiliar num hospital, que gostaria de ser médico, mas não consegue lidar com as dores e agruras dos pacientes sem se torturar e sentir o mesmo que eles.





A senhora e a Morte” (La dama y la muerte) é um curta-metragem espanhol que concorreu ao Oscar em 2010, e a história é uma lição para nós, médicos, que muitas vezes nos julgamos onipotentes na nossa missão como profissionais competentes, e acabamos prepotentes sem saber dosar o limite até onde a medicina deve insistir e investir para preservar a vida.


O curta de animação conta, de maneira divertida, a história de uma velhinha que percebe que chegou a sua vez de ser ceifada pela Dona Morte”, e se prepara para ir finalmente ao encontro do seu velho amado, mas eis que o presunçoso doutor...




Quanto às séries, temos o polêmico, irreverente anti-social e não menos pedante Dr House” com os seus “super-poderes de Sherlock Holmes da medicina”.

Já a série Grey's Anatomy se passa num fictício hospital estadunidense, e discorre sobre os dramas pessoais e profissionais vividos por uma médica de sobrenome Grey (daí o nome da série, mas na verdade trata-se de uma brincadeira com o nome de um famoso anatomista britânico chamado Henry Gray, cujo livro faz parte da cabeceira de todo estudante de medicina).




Já a(recentemente extinta) série americana “Scrubs” mostra os “bastidores” do dia a dia dos residentes de um hospital, com os dramas (mas também as partes cômicas, as festas, as “chopadas”) que rolam na rotina diária de um “sofredor” da medicina, intercalando cenas engraçadas com cenas emotivas de tristeza e impotência diante da morte, fazendo jus ao dito popular “de médico e louco....”

Em “Scrubs”, você vai encontrar, por exemplo, aquele cirurgião “que se acha”, ou aquele professor “pentelho”, que todo mundo quis, um dia, se livrar (e o personagem principal, o médico residente vivido pelo ator Zach Braff, sempre dá um jeito de fazer isso, nem que seja só na imaginação dele). 

E eu, como médica e cinéfila, acho sempre uma graça cada episódio (as primeiras temporadas principalmente), porque quase sempre há uma homenagem a alguma cena clássica do cinema, e participações especiais de cantores, compositores e bandas famosas, em geral como imaginação do tal residente ingênuo e sonhador – assista abaixo, uma destas cenas divertidas, fruto da imaginação do protagonista, com a participação especial do cantor Colin Hay, com a bela música Overkill.





Mas a grande “vedete” da medicina ainda é o “infarto do coração” (a “minha praia”, pois sou cardiologista). O que mais se ouve por aí é que, todo mundo preferiria morrer, subitamente, sem sofrimento, de um “enfarte fulminante”. Assim, o cinema não poderia deixar de “homenagear” esse órgão, com todas as honras.


O premiado diretor Bob Fosse filma, teatralmente, a morte do personagem de Roy Scheider, no ótimo musical  “All that jazz” (“O show deve continuar”) em um maravilhoso balé, com as dançarinas vestidas com macacões estilizados “de artérias e veias” por todo o corpo, e o coração é o centro de todo o cenário, ao som de “Bye, bye, life”, e o personagem vai, enfim, depois de mais um enfarte, ao encontro da “Dona Morte” (representada e estilizada na pele da então bela atriz Jessica Lange). Impossível ficar imune a este “pulsar dançante do coração”. Imperdível.





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