BEST-SELLERS ENQUANTO GÊNERO LITERÁRIO II

-->
Outras falsificações se deram em nome das vendas, de todos os tipos. As famosas Cartas portuguesas são um bom exemplo. As cartas seriam a confissão amorosa de Sóror Mariana Alcoforado a um oficial francês que teria divulgado a missiva entre os conhecidos para se exibir como grande conquistador. As cartas originais teriam ido parar nas mãos de um editor, que as traduziu para o francês e as publicou com grande sucesso: o sucesso se basearia no escândalo real da religiosa portuguesa apaixonada pelo militar francês. Porém, o desaparecimento dos originais em português e vários outros trâmites sugerem que a autoria verdadeira do texto seria do jornalista Gabriel de Guilleragues, mas o boato de veracidade era importante para manter o interesse do público.
Vários prefácios de obras ficcionais simulam as narrativas como fatos da vida real. Isso, hoje como nos tempos originais, talvez não engane mais leitor algum, mas acabou se tornando uma parte importa do jogo literário, parte do seu jogo de espelhos que brinca com a realidade.
No século XIX, quando quase todas as nações modernas da Europa já haviam abolido ou ao menos minimizado em muito o mecenato, com uma maior evolução das leis de direitos autorais e com a maior difusão da imprensa, o mercado de livros se consolida. É a época que traz o nascimento de Alexandre Dumas pai, autor dos Três mosqueteiros, do Conde de Monte Cristo e do Homem da máscara de ferro, só para dar alguns exemplos e de Eugene Sue, com os seus Mistérios de Paris. Os jornais impulsionavam as vendas de romances em capítulos, os famosos folhetins, porque precisavam de uma grande variedade de assuntos para atrair os leitores (o próprio preço dos jornais tinha diminuído com o aparecimento dos anúncios) e os autores mais cotados atraíam um maior número de leitores, naturalmente. Alguns desses autores entraram para a história da literatura como criadores dos romances passionais e de capa e espada, por tramas complicadas e cheias de peripécias, por capítulos que terminavam em grande suspense para que o leitor não deixasse de comprar o jornal seguinte. Outros, com os mesmos atributos, mas sem o mesmo gênio criativo, não chegaram à posteridade a não ser como nota histórica. Mas, para se ter uma ideia do poder que essa literatura, que começava a ser comercial, exercia sobre as pessoas, basta lembrar do exemplo do escritor inglês Charles Dickens, autor dentre outros, de Oliver Twist e das Aventuras do sr. Pickwick. Consta que a população pobre a analfabeta justava dinheiro para comprar os folhetins e pagavam a alguém que soubesse ler para que lesse em voz alta. O interesse por essas narrativas rompia até a barreira do analfabetismo.
É uma época importante e decisiva para toda a literatura. A relação com os leitores é diferente e o público leitor, a burguesia nascente, é bem mais amplo. O escritor, que já não devia satisfações a um mecenas, está relativamente livre de amarras ideológicas (pois, naturalmente, sob o financiamento de um nobre, não se pode atacar a nobreza). Tudo que ele precisa fazer é tornar sua obra comercialmente viável. Ou afundar economicamente por um obra que ele espera que se perpetue na história.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem